Crónica
QUO VADIS, CULTURA?
Discute-se política, discute-se economia, discute-se sociedade, discute-se desporto, discute-se justiça. É isto que domina o nosso panorama atual. No entanto, lá nas profundezas da submersão desta massa informativa, eis que temos um recorte sobre cultura. Relembrando a pequena parcela que este setor detém no Orçamento de Estado do presente ano, não há melhor facto do que este para arrancar uma análise crítica ao papel da cultura.
Retornemos de novo à História. Em abono da verdade, poucas são as análises que podemos efetuar sem o auxílio dela. Onde é que todos os dados que detemos dos séculos e milénios passados se sustentam? Registos. Estes que podem ser definidos como produtos culturais, resultantes de um dado padrão de comportamentos adaptado por uma certa comunidade. Pinturas rupestres, escrita cuneiforme, os hieróglifos, os códices. Isto numa perspetiva mais materializada. No que toca ao conceito, temos teorias que ainda hoje despertam e consciencializam o mundo para uma visão crítica e madura sobre as peripécias da ciência e da sociedade.
Devemos grande parte do que fazemos à cultura. A educação foi revolucionada pelos diferentes artefactos e mentefactos aos quais tivemos acesso durante a carruagem dos tempos. Ainda hoje fazemos cultura todos os dias. Basta fazermos um singelo post numa dada rede social. Estamos a produzir uma reprodução apoiada num dado padrão de conduta representativo de uma comunidade. No entanto, a cultura voltou-se um pouco mais para a arte. A música, a literatura, a escultura, a pintura, a arquitetura, o cinema. Todos aqueles elementos que deram um novo fôlego ao ser humano no que toca a percecionar e a intervir no mundo.
Tal como na vida, só quando nos vemos desprovidos da cultura é que damos pela falta dela. Um desinvestimento progressivo neste setor motiva essa preocupação. A cultura, cujo corolário é a arte performativa, visual e imaginada, necessita de mais. É parco o que lhe dão. É de uma injustiça imensa o que lhe fazem. O desdém com que a tratam. O que ela deu por nós e a forma como nós retribuímos. É indubitável a nossa empatia com a cultura. Porém, é de igual forma inquestionável que se vem diluindo no que toca ao quotidiano informacional. No máximo, ocupa um pequeno excerto de um noticiário.
Devemos anos de instrução e de aprendizagem à cultura, devemos momentos de deleite e de enorme satisfação à cultura, devemos grande parte dos nossos interesses e hobbies à cultura. A nossa obrigação passa por reconhecermos o seu papel providencial e essencial na expressão de uma comunidade, de um país, de uma nação. Se lhe cortamos as pernas, cortamos também um rol de oportunidades de expressão do que somos, do que vemos, do que cremos e do que sonhamos. Não há nada mais crítico do que extinguir a espontaneidade ao ser que o é por natureza. Não desprimorando a importância da política na sociedade contemporânea, não é por essas lides que será manifestado o desejo de amar, de viver, de observar e de expandir o seu coração para o que o mundo lhe oferece. São figuras como Pessoa, Camões, Garrett, Torga, Vasco Santana, Bordalo Pinheiro, Soares dos Reis, Almada Negreiros, Sophia de Mello Breyner Andresen, entre outros (perdoem-me aqueles que não mencionei) que definem o que é ser Portugal.
Que não tapem o Sol da humanidade com a peneira da racionalidade. Precisamos do que nos dá voz da forma mais subtil e permanente. Precisamos da tão nossa cultura.