Crónica
SOBRE A FALTA DE TEMPO
Não tenho tempo. Estou atolado de matéria e umas quantas dívidas à minha mãe.
Devo-lhe umas quantas chamadas e uma lista do que como ao almoço. Devo-lhe um tempo para falarmos da novela das 21h00 e um tempo para lhe fazer recados. Preciso de a visitar no fim-de-semana. Corro o risco de ser deserdado, ainda que a herança seja só um bocadinho do tempo que passo junto dela. Preciso de comparecer aos almoços combinados com os primos e de participar nas conversas com as tias.
Falta-me aquilo que certo pessoal parece ter – aquele que se senta na mesa à minha frente, a planear férias e a retocar a maquilhagem, tudo isto numa biblioteca. Falta-me tempo.
Não tenho tempo para “panicar”, aqui no meio de tanta gente, a pensar por que livro devo começar ou na lista de compras para logo à noite. Como se não bastasse, esqueci-me da comida no congelador e, por isso, vou perder tempo, que não tenho, a descongelá-la. Talvez nem tempo me sobrará para passar pelo supermercado.
Estou a escrever que nem um desalmado para me distrair do excesso de tempo que se revela nas raparigas à minha frente e a biblioteca vai fechar. “Ninguém quer saber do top de lantejoulas da tua mãe, ó menina”, pensei.
Diga-se, não cheguei a tempo de entrar no supermercado e o meu jantar foi tudo menos o que a minha mãe espera que eu coma. No caminho de casa, ia ser atropelado e se, de facto, tal acontecesse, sobrava-me tempo, quanto mais não fosse, à espera na fila das urgências. No entanto, não adiantou de nada atravessar a passadeira no vermelho. Corri atrás do comboio que, por sinal, era o errado e ia parar a Guimarães. Ainda que me pareçam muitas carruagens, o “comboio da frente”, visto por dentro, parece-me sempre curto. Acabei por perder o urbano para Braga. Corri para o autocarro e perdi-o.
Para o segundo autocarro, cheguei uma hora antes de partir. Não corri. Andava e pensava – o único aspeto multitasking que sou capaz de manter – que tinha que dar os parabéns à minha sobrinha, enquanto me desviava das senhoras com o trolley das compras que se alinhavam à minha frente. Julgo que na reforma terei tempo para conversar e ocupar o passeio de uma ponta à outra.
Enquanto isso, nem sequer tempo tenho para ter um tempo. Nem para pensar devidamente, o que não me posso queixar, porque pelo jeito que isto vai, se pensasse não pensava mais.