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Crónica

O DIA EM QUE A DEMOCRACIA CHEGOU AO FIM

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Quando o senhor Trump anunciou a sua candidatura à presidência da Casa Branca pensei que os americanos iriam, de imediato, ridicularizar a situação. Veja-se tal coisa: um milionário a querer ser presidente sem qualquer experiência prévia na política… (idealizei um anúncio do zoo a pedir um leão feroz e o candidato escolhido para exercer o cargo seria a minha gata Matilda, faz o sentido suficiente aplicado a esta situação).

Contudo a América lá foi deixando o senhor Trump nas luzes da ribalta, numa campanha que se assemelhava a variados números circenses, todavia, os do senhor Trump envolviam xenofobia, racismo, machismo e tudo o resto que dói a alma só de relembrar para aqui os enunciar. Por esta altura, o mundo já sentia o nervosismo de uma possível e real vitória deste candidato que aos olhos não-americanos nos parecia uma escolha tão descabida para a representação de uma nação.

A campanha eleitoral do senhor Trump foi decorrendo e foi-se levantando o véu das intenções políticas do candidato. Pois bem, escrevendo este texto já depois da eleições e se tivesse vivido isolada do mundo nos últimos 18 meses diria que o senhor Trump teria prometido (finalmente) um sistema de saúde gratuito para os menos favorecidos. Imagine-se o Obamacare, mas a abranger ainda mais americanos. Imaginaria também que seguiria a linha do seu antecessor, continuando com uma América próspera e com vista à união de todos, nomeadamente com a legalização do casamento entre casais do mesmo sexo, etc. Desenganemo-nos, pois. O senhor Trump prometeu expulsar imigrantes (que, diga-se, ali estão não só a contribuir para a economia americana mas também a construir uma vida), construir um muro que separe o seu país do México e proferir variadíssimas barbaridades contra o Islão, em particular. Escrevo aqui um eufemismo da campanha do senhor Trump pois o que testemunhamos ao longo deste último ano foi bastante mais negro, contudo, é a eleição do mesmo pela parte dos seus compatriotas que me deixa sem palavras. Estamos nós perante uma nova era da democracia? Uma democracia onde os valores perderam a sua essência e devemos antes considerar o ódio, a xenofobia, o racismo e o sexismo como os pilares onde assentam uma nação? Quero acreditar que não. Pois se assim é o caso, em breve virá a censura da palavra, seja ela escrita, falada ou pensada e quando nos privam de algo tão nosso, perdemos a liberdade do nosso direito mais naturalmente humano.

Algo de muito errado aconteceu quando House of Cards se torna um numa realidade fictícia mais desejável do que a própria realidade humana. O duelo Underwood/Conway, os seus debates e o pulso firme de ambos. Testemunhamos na série mais discernimento nas campanhas eleitorais do que vimos em 18 meses de realidade. E embora House of Cards nos faça mergulhar na profundidade dos esquemas políticos e das desonestidades de (certas) figuras para alcançarem lugares do mais alto poder, o certo é que também nos mostra com bruta honestidade que a experiência e o discernimento são dois pilares fundamentais para representar uma nação. Até mesmo considerando aquilo que porventura poderíamos ver como um capricho de Claire Underwood na série quando pretende ser Embaixadora e toma partido da sua posição como primeira-dama (compreendendo com esse seu cargo que existem sacrifícios necessários para o salvaguardar a nação que representa), o senhor Trump teve o capricho de ser presidente do seu país, de impor os seus ideais, sem quaisquer qualificações para tal.

Hoje desejamos que House of Cards fosse a realidade americana de 2016 e senhor Trump presidente fosse antes uma série de tv, possível de fazer desaparecer das nossas vidas com um botão do comando lá de casa.