Política
O QUE VAI MUDAR COM O REFERENDO DA TURQUIA?
O que vai mudar com o referendo
As alterações à Constituição que prevalecia na Turquia implicam reformas nos poderes institucionais, que mexem profundamente com a estrutura política do Estado.
O cargo de primeiro-ministro desaparece e é substituído pelo de vice-presidente (escolhido pelo presidente). Os poderes do presidente aumentarão, como a possibilidade de dissolver o Parlamento ou promulgar leis. O presidente torna-se assim chefe de Estado e do Governo, tal como nos EUA.
Desta forma, o Parlamento passa a ter pouco poder de decisão numa possível destituição do chefe de Estado e de fiscalização dos ministros.
O chefe de Estado pode continuar ligado ao partido. Os principais partidos políticos turcos são: AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento, que é o que se encontra no poder) e MHP (Partido do Movimento Nacionalista, que é de extrema-direita), ambos a favor do referendo; CHP (Partido Republicano do Povo) e HDP (Partido Democrático do Povo), que acreditam que a concentração de poderes num só homem vai levar a que seja o único a controlar o país.
Caso a maioria a votasse no “sim”, algumas mudanças só entrariam em vigor em 2019. Qualquer decisão que fosse tomada com o referendo, teria de ir ao Parlamento para ser aprovada.
Caso a maioria a votasse “não”, tudo se mantinha igual, com um presidente sem grande poder e a existência de um primeiro-ministro. Porém, poderia existir uma convergência de poderes políticos muito grande, levando à instabilidade política.
Resultado final
A 17 de abril de 2017, a Turquia acordou com a vitória do “sim” no referendo que vai atribuir mais poderes ao presidente do país.
O atual presidente, Recep Tayyip Erdogan e o partido apoiante (AKP), obtiveram 51% dos votos. Porém, nas principais cidades da Turquia, foi o “não” que ganhou.
Binali Yildrim, primeiro-ministro da Turquia, apoiou a campanha do presidente pelo “sim” ao referendo.
Os partidos da oposição, nomeadamente o Partido Republicano do Povo (CHP), exigem uma recontagem parcial dos votos, uma vez que “a detenção dos nossos líderes, o facto de o referendo ter acontecido em pleno estado de emergência e outras medidas opressivas põem em causa a votação e levantam um problema de legimitidade”, afirma o porta-voz do Partido Democrático dos Povos (HDP).
A Comissão Europeia pede que os vários partidos tentem chegar a um “abrangente consenso nacional”.
Outros observadores internacionais, como a OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) não vêem esta decisão como verdadeiramente democrática. Têm sido feitas críticas sobretudo em relação aos media da Turquia, acusados de controlar a campanha feita pelo presidente turco, e a contribuição financeira e de recursos humanos do AKP, partido que apoia Erdogan.
Cezar Florin Preda, chefe da delegação da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, declarou que “globalmente, o referendo não está à altura dos critérios do Conselho da Europa”.
Desafios que a Turquia enfrenta
O referendo na Turquia ocorre numa altura em que o país enfrenta já algumas dificuldades no plano internacional.
União Europeia: “Esta nação nunca estará sob nenhuma tutela, esta nação nunca enfrentará qualquer intervenção externa e nunca iremos ceder a quaisquer ameaças. Foi isso que voltámos a demonstrar enquanto nação”, afirma o presidente Erdogan, relativamente às negociações com a UE.
As relações entre a UE e o chefe de Estado turco têm sido muito frágeis, devido à vontade do presidente retomar a pena de morte, algo que referiu após o golpe militar de julho de 2016.
As divergências entre a UE e a Turquia também se devem, em parte, ao facto deste país ter feito o pedido de adesão em 1987 que, até agora, está a ser avaliado.
A Turquia não cumpre os requisitos impostos para ser estado-membro, com uma cultura e religião que afasta o país turco da realidade europeia.
Para além disso, são conhecidos os conflitos entre a UE e a Turquia no que diz respeito à República Turca de Chipre do Norte. A República do Chipre, a República Turca do Chipre do Norte e o Reino Unido partilham a posse da ilha do Chipre. Porém, apenas a Turquia reconhece a sua República como estado de facto.
Conflitos com os curdos: Uma parte substancial da população turca é de etnia curda (18% da população). O Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), independentistas curdos, tem sofrido por parte da Turquia uma repressão violenta que já fez 40 mil mortos.
O país turco aproveitou-se das divisões curdas para enfraquecer o poder desta etnia no seu território. A partir de 1999, com a detenção de Abdullah Ocala, líder do PKK, o conflito militar acalmou. Segundo o jornal Público, “ocorreram, também, melhorias nos direitos culturais e políticos da população curda, em grande parte devido a pressões externas, sobretudo as decorrentes da abertura das negociações de adesão da Turquia à União Europeia.”
Segundo a BBC, Ancara pretende evitar a formação de uma zona autónoma curda na Síria, uma vez que isso só iria reforçar a causa separatista no interior da própria Turquia.
Guerra civil na Síria: Apesar de ser um país muçulmano, a Turquia é aliada do Ocidente e membro da OTAN (Organização para o Tratado do Atlântico Norte).
Inicialmente, a Turquia sofreu algumas críticas por estar a assumir uma posição demasiado passiva contra os militares extremistas que, para chegar à Síria, tinham de passar pelo território turco.
Durante muito tempo, limitou-se a lutar contra alvos do PKK. A Síria partilha fronteiras com a Turquia, o que torna o país muito apelativo aos refugiados. Como tal, está interessada em envolver-se militarmente no conflito e a combater o Estado Islâmico.
Ainda em relação à questão dos refugiados, o apoio financeiro prometido pela União Europeia para suportar os gastos envolvidos no acolhimento não tem sido o suficiente, de acordo com o presidente turco.