Cultura
HERBERTO HELDER: O REGRESSO DO MESTRE
Saiu hoje o novo livro do Herberto Helder, A Morte Sem Mestre, publicado pela Porto Editora. Muito se há de escrever sobre o número reduzido de exemplares, sobre o preço do livro, sobre as manobras editoriais e de marketing que assombram as mais recentes publicações herbertianas. Para os amantes de poesia e, acima de tudo, para os apaixonados pelo poeta, esses não serão fatores importantes neste momento. Neste momento, devemos rejubilar: um novo livro nasceu.
Como é habitual para os leitores de Herberto, nada do que se pode encontrar nas suas páginas é acidental. Para isso mesmo nos adverte o poeta na primeira página: «Tudo quanto neste livro possa parecer acidental, é de facto intencional.» E quando digo primeira página, refiro-me exatamente à que antecede o título, a ficha técnica e o texto propriamente dito. Assim que abrimos o livro temos duas páginas negras, acabamos o livro e voltamos a ter duas páginas negras. Pela indicação do poeta, tal não é por acaso: o escuro e as trevas que embrulham esta obra, tal como o seu título, parecem apresentar uma forte ligação com o seu conteúdo.
As trevas, através da palavra, dão lugar à luz. No entanto, após a luz, todos voltaremos às cinzas – o nosso destino é a morte.
De facto, a morte abraça este livro e abraça o(s) poema(s) que o compõe(m). Mais do que nunca, temos um livro de Herberto Helder carregado de referências bíblicas: Deus, o Diabo, Jesus Cristo e os apóstolos surgem, tal como referências ao deserto, ao baptismo, à crucificação, à ressurreição ou ao apocalipse. A repetição de versos como «pai pai porque me abandonas?» ou «vou morrer como um cão deitado à fossa», não só acentuam a referência a uma tradição judaico-cristã, como ainda ajudam a transpor o leitor para um ambiente pré-fúnebre – como se a morte nos fosse atingir a qualquer momento. Esta questão parece confirmar-se no verso: «Esta é a minha elegia.»
É uma obra que após uma primeira leitura não desilude: traz consigo o que há de melhor em Herberto, elementos já nossos conhecidos como a bic cristal preta, a seiva, os nós ou o sal grosso, mas aos quais se juntam novas personagens e imagens.
Esta edição conta ainda com dois pormenores que nos ajudam a aproximar de Herberto Helder: um CD com cinco poemas lidos pelo autor, e uma sobrecapa inspirada na forma como o poeta costuma encadernar os seus próprios livros.