Desporto
HISTÓRIAS DO FUTEBOL: PORTUGAL VS BRASIL – 58 ANOS DE DUELOS FRATERNOS
O primeiro jogo entre as equipas nacionais de futebol dos dois países realizou-se em 1956. No Estádio da Luz, em Lisboa, o Brasil vence por 1-0 com o golo da vitória a ser apontado por Gino. Na selecção portuguesa alinhavam, entre outros, Pedroto, Águas, Matateu e Travassos. A representar o Brasil tínhamos jogadores muito dotados onde pontificavam Djalma Santos e Didi. Depois deste jogo inaugural entre os conjuntos nacionais, mais 18 partidas se disputaram dos dois lados do Atlântico.
A superioridade brasileira é por demais evidente. Nos 19 jogos, “a canarinha” venceu 12 e perdeu 4, marcou 31 golos e sofreu 15. Este desequilíbrio notório ganha contornos mais evidentes em jogos disputados em “Terras de Vera Cruz” pela selecção “das quinas”. Portugal perdeu os 9 jogos aí disputados, festejando apenas 6 golos e “encaixando” 26.
Para “equilibrar a contenda”, é curioso verificar que nas duas partidas oficiais entre os dois conjuntos Portugal nunca tenha perdido. No mundial de Inglaterra, em 1966, os “Magriços” obtém uma vitória por 3-1 com dois golos do “pantera negra”, num jogo onde Pelé saiu lesionado depois de enfrentar uma autêntica “caçada” dos jogadores portugueses. As entradas ao joelho, primeiro de Coluna e depois a dupla “tesourada” de Morais, são exemplos paradigmáticos da maior violência do futebol da época. Já no mundial 2010 houve um empate a 0 “bolas”, que permitiu a passagem aos oitavos de final das duas selecções.
Para além de Portugal, apenas as representações futebolísticas nacionais de França, Hungria e Noruega têm “saldo positivo” com o “Escrete” em Mundiais. Estes dados ganham uma imponente relevância visto que o Brasil venceu 5 Campeonatos do Mundo, foi vice-campeão por duas vezes, alcançou dois terceiros lugares e foi por uma vez quarto classificado. A “amarelinha” esteve em todos os 19 Mundiais, enquanto Portugal apenas foi apurado 6 vezes. Os “lusitanos” têm duas participações honrosas com um terceiro lugar, em 1966, e um quarto posto em 2006.
Os “estados de alma” de “cá e lá” com que são vividos estes jogos diferem um pouco. Os portugueses relevam enormemente a qualidade do futebol brasileiro. Uma vitória representa um atestado de competência para as “cores” nacionais. Debelar a referência futebolística mundial, o “Papão” Brasil, é motivo de orgulho, porque muito raramente o “jogo bonito”, o “futebol arte”, são suplantados. No Brasil, os adeptos vivem os jogos de uma forma especial devido às estreitas relações históricas entre as duas nações. Os duelos de futebol contra Portugal tornam-se em mais um espaço de partilha de referências culturais comuns como a língua, a literatura, a música, os “grandes vultos de união” (Camões, Fernando Pessoa, Padre António Vieira, Gilberto Freyre). Apesar da fraternidade com que a maior parte dos “amantes” da modalidade encara estes duelos, devo ressalvar que, para alguns adeptos, estes jogos são “terrenos férteis” em alusões neocoloniais. A mágoa do império perdido do “lado de cá”, uma tentativa de abatimento do colonizador do “lado de lá”.
Felizmente esse sentimento negativo não é disseminado em larga escala. Como podemos presenciar neste mundial, os cidadãos dos dois países apoiam-se mutuamente. Vibram com as vitórias do “país irmão”. Agora, só com o Brasil em prova, os portugueses poderão encontrar na vitória da selecção “canarinha” um “refúgio açucarado” que atenue o sabor de tão “insípido” Mundial.
Nota Biográfica: David Guimarães escreve semanalmente sobre acontecimentos históricos do mundo do futebol.
Um leito indevidamente identificado A.J.R. Guimarães
05/07/2014 at 14:13
O hectare relvado onde se desenrola um jogo de futebol é um resumo do mundo. A acção e a emoção, as tácticas e as técnicas, a fruição do belo ou a percepção do erro, ou outras instâncias, enfim, da vida que aí se joga, apelam a uma exigente capacidade de compreensão e competência de análise, e consequente explicação.
O vosso redactor David Guimarães tem essas qualidades, precisamente porque tem ideias, ideias sobre o jogo e a vida em seu redor, e sabe expressá-las com inteligência e destreza, humor e amor.
Um leitor indevidamente identificado A.J.R. Guimarães
05/07/2014 at 14:14
O hectare relvado onde se desenrola um jogo de futebol é um resumo do mundo. A acção e a emoção, as tácticas e as técnicas, a fruição do belo ou a percepção do erro, ou outras instâncias, enfim, da vida que aí se joga, apelam a uma exigente capacidade de compreensão e competência de análise, e consequente explicação.
O vosso redactor David Guimarães tem essas qualidades, precisamente porque tem ideias, ideias sobre o jogo e a vida em seu redor, e sabe expressá-las com inteligência e destreza, humor e amor.
Pedro Marques Pinto
06/07/2014 at 18:50
Quando Portugal naufraga em direcção à terra utópica do império perdido e que jaz moribundo na memória colectiva, vê sempre uma luz outra, um renovado horizonte, um país-continente edénico e “exótico”, avesso aos vícios da decadência civilizacional, no qual possa projectar o seu sonho mítico de colonizador, a sua epopeia sonhada de ser o messias abstracto da lusofonia global. Doce imaginação, cruel realidade. Com a selecção portuguesa eliminada deste “mundial querido” do Brasil, os destroços lusitanos ainda se podem cumprir como extensão na figura desse “país-irmão”, numa fraternidade lusotropicalista que agradaria a fascistas e a neo-colonialistas. Afinal, a selecção da cruz de cristo ainda se pode regozijar: sem o cristianismo-Ronaldo como referência mitológica, terá sempre a consolação de saber que a selecção de futebol que mais títulos mundiais conquistou fala português e está, por isso, incluída na estrutura universal das comunidades lusófonas. Valerá isso uma exaltação? Creio que não, até porque a mágoa e as lágrimas nostálgicas percorrem ainda o discurso político de muitos representantes nacionais.