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Cultura

UMA FORNADA QUENTE DE DRAMATURGOS

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À terceira terça-feira do mês, lê-se no Mosteiro de São Bento da Vitória. Lê-se, sempre. Lê-se as páginas ilustres e memoráveis de obras há muito fechadas e enaltecidas. Lê-se… E dão-se as típicas e sempre deliciosas Leituras no Mosteiro. Ontem, apesar disso, sacudiram-se as regras e os formalismos – prova disso é que estamos já na quarta semana de fevereiro. Ontem, naquela sala-biblioteca, havia uma energia distinta, um calor particular, e quase mais cabeças, ideias e perguntas do que livros nas estantes.

Este ano letivo, a Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE), em conjunto com o Teatro Nacional São João (TNSJ) e a RTP, abriu a nova pós-graduação em Dramaturgia e Argumento. E, como se diz na gíria dos palcos, as estreias não se esquecem. Esta primeira fornada de quinze alunos – memorável, dê no que der – é composta por díspares futuros dramaturgos, argumentistas, críticos ou meros pensadores e inventores irrequietos. Ontem, Jorge Louraço (diretor da formação) levou os pupilos, cada um com a sua papelada ainda quente e as histórias e conceitos em fase de gestação, para a primeira partilha ao público.

Cada um explicava, de forma sucinta, o que lhe assaltou a mente durante o processo criativo, o porquê daqueles serem os excertos eleitos a trazer para revelar, e ainda a inclinação para adaptar a cinema, teatro ou até rádio. Prontamente, Nuno M. Cardoso avançava para as “audições momentâneas”: distribuía os guiões, e qualquer presente na sala estava habilitado a dar voz à personagem.

Catorze cabeças pensadoras, que brotaram para o papel. E houve de tudo. Uma boa dose de diversidade, perspicácia e coragem. Leu-se do monólogo à trilogia, da base verídica à pura invenção. Leram-se poderosas cenas num bordel, na época dos imperadores e até na nossa querida década revolucionária. Quis-se refletir sobre as relações pessoais-digitais, sobre a dificuldade de deixar marcas em vida, sobre as pessoas, as suas vidas, as ruturas, os desentendimentos e as mutações. Até a risada genuína e acriançada numa história de pinguins teve o seu lugar. Divertimo-nos. Franzimos o sobrolho. Pensamos. Identificamo-nos. Sentimos na pele o que nunca vivemos. Escutamos. Até cantamos. E batemos palmas. Merecidas palmas. “Estes artistas deveriam vir mais vezes”, um casal comentou, no fim da sessão, já fora de portas. Realmente, a vida escrita e pensada por eles tem um qualquer encanto.

“Já ninguém sabe para onde vai quando sai de casa”, escreve Maria Pinto na sua criação – no comboio onde se perdem ou deixam pertences, talvez, mesmo, só porque sim. Não sei quanto a vós, mas, em julho, quando estas obras de arte “quentinhas” forem apresentadas na sua forma final, eu tenho a certeza que vou sair de casa para as ver. E aconselho. Porque depois de “ver o que ouvi”, sei que esta fornada pode dar que falar.

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