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Cultura

BALEIZÃO: A MEMÓRIA E O VALOR DAS COISAS IMPOSSÍVEIS

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“O Baleizão, que a minha mãe utilizava para cotar o valor das coisas impossíveis, era um gelado de uma cervejaria com o mesmo nome, na cidade onde eu vivia, Luanda, em Angola. Custava dois euros e cinquenta!”.

Ouve-se uma voz nostálgica e as luzes do palco acendem-se. Miguel e Aldara aparecem, vestidos de preto. Em silêncio, montam o cenário. Estendem vários lençóis no chão, colocam uma mesa de três pernas no centro e penduram ilustrações no “estendal da memória”. A atenção do público está captada e mantém-se durante a próxima hora e meia.

Aldara, coreógrafa e bailarina, e Miguel, pintor e mediador cultural, dispuseram-se a explorar as memórias dos anos 70. Partindo de lembranças pessoais, aperceberam-se que estas eram também recordações coletivas, pertencentes ao ambiente político, social, económico e cultural da época. Confrontando o quotidiano lisboeta, onde Horta cresceu, com o de Luanda, cidade de Aldara, os artistas procuraram encontrar pontos comuns e dissidentes.

No processo, adotaram diversos “despertadores de memória”: cheiros, palavras, sons e canções, sabores e detalhes da vida familiar. São ambos, no fundo, contadores de histórias e aventuras, durante todo o espetáculo, em volta de notas de papel – os Baleizões.

Recebidos com sorrisos pelo público, e através de desenhos, movimentos corporais, fotografias e opiniões, os artistas relembraram momentos e brincadeiras. Os berlindes. “As pombinhas da Catrina”. As fogueiras na praia. O uso dos primeiros rolos da Kodak. O ato de dobrar os lençóis e dizer “agora vem ter comigo”. O talento do José Pedro dos Xutos & Pontapés. A pesca de “peixes que ficam a nadar para sempre na memória”. Os Domingos. Os beijinhos da mãe.

No entanto, também foram abordadas a censura e a PIDE, a Guerra Colonial e a escravatura, com um misto de saudade e vergonha desse período da História, visto agora de uma perspetiva diferente.

Miguel e Aldara chegaram à conclusão que “a memória prega partidas”. As recordações nunca poderão ser propriedade pessoal, são apenas uma versão da história vivida. A memória deturpa a perceção do tamanho e da distância, do tempo, do medo e da coragem. E, afinal, não pode ser comprada nem com todos os Baleizões da História.

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