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Cultura

“YO ESCRIBO. VOS DIBUJÁS”: AS EXISTÊNCIAS DE UMA REALIDADE ONÍRICA

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As portas abrem-se e o público entra num espaço estranho: a arquitetura do convento desaparece e o claustro é tomado por um ambiente onírico. YO ESCRIBO. VOS DIBUJÁS incorpora elementos da peça de teatro e da performance de rua; é uma obra que desafia as noções clássicas de espetáculo. Derrubam-se as barreiras entre espectador e personagem, e desaparecem as diferenças entre ação e cenário.

A sala está dividida em vários espaços: vemos tabuleiros de xadrez, tabelas de basquetebol, piscinas, mesas de ping pong, carros telecomandados, frigoríficos e uma “cabina de silêncio”. Entre os burburinhos do público intrigado, o claustro do convento enche-se com o som das notas de um trompete intercaladas com o ruído saltitante de bolas de ténis de mesa. O público caminha por entre as personagens, os espectadores deambulam na tentativa de perceber um padrão e uma lógica.

O cenário é criado sem recorrer a elementos arquitetónicos; como uma rua que se fizesse sem edifícios, é a própria multidão em torno dos vários acontecimentos que cria um ambiente intermédio entre uma festa de bairro e um recreio escolar. Das várias situações que elucidam o cruzamento de dois mundos opostos e aparentemente antagonistas, talvez a de maior destaque seja representada pela peça de xadrez feita de chocolate. O elemento surge como a interseção da lógica e do intelecto com a inocência e a infantilidade – faz quase lembrar o chocolate metafísico da “Tabacaria”, de Álvaro de Campos.

Sem qualquer diálogo ou manifestação oral, a narrativa evolui por meio de uma série de fotocópias que as personagens vão distribuindo. A lógica regular das letras impressas é quebrada por palavras gatafunhadas. Ao invés de oferecer uma solução, as folhas adensam o “mistério” em torno das estranhas ações levadas a cabo pelas personagens: “Por que é que a senhora que guarda o frigorífico faz bolinhas de sabão?”, “O que vê a astróloga no iPad?”, “Por que que é que o porteiro hippie da cabina de silêncio está sempre a mexer na orelha? Está à espera de alguma deixa?”, são algumas das questões que se lêem nos papéis.

A narrativa avança até ao ponto em que as fotocópias encaminham público e atores para a cabina de silencio. A pequena caixa envidraçada e elevada do solo leva a um espaço da sala que até então se mantivera oculto. Os espectadores são levados a um pequeno auditório para descobrir “o que a astróloga viu no iPad”. O ambiente onírico é abruptamente cortado e o espetáculo assume dinâmicas próprias de uma aula ou palestra. A astróloga sobe ao estrado para explicar que costuma ver o futuro através dos sonhos, e para construir um discurso em torno da existência de um destino e de uma linha condutora para a vida humana.

A narrativa e o ambiente de YO ESCRIBO. VOS DIBUJÁS dão corpo à frase de Carl Gustav Jung: “Não há e não pode haver nada de acidental ou inútil na natureza; cada coisa tem sua função precisa e serve um fim definido”. O espectador é levado à introspeção e, para além de questionar o cenário do espetáculo, é levado a interrogar-se sobre a sequência de eventos que o conduziram ao longo da própria vida.

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