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Cultura

CINEMA NA CIDADE: UM “ESPAÇO DE DIÁLOGO EM VISEU”

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Durante uma semana, o centro histórico de Viseu transformou-se numa verdadeira sala de cinema ao ar livre. O evento Cinema na Cidade, promovido pelo Cine Clube de Viseu, contou com a exibição dos filmes Ernest e Celestine, Verão 1993, Os chapéus-de-chuva de Cherburgo, A Ultrapassagem e Os Cantadores de Paris, filme-documentário do realizador português Tiago Pereira. As projeções realizaram-se na praça D. Duarte e no Museu Nacional Grão Vasco, mas a história nem sempre se contou assim.

O pequeno festival, que surgiu em 1982, era realizado no Parque Aquilino Ribeiro. “Consoante os contextos e as necessidades da cidade, o projeto transformou-se”, sublinha Rodrigo Francisco, um dos membros da direção do Cine Clube de Viseu. A sala do Cinema na Cidade “andou em trânsito” e, desde 2009, “estacionou no centro histórico”, na praça D. Duarte. Os claustros do Museu Grão Vasco, por outro lado, “rimam muito bem com sessões de cinema”. Este é um projeto que a organização gosta de ver “portátil”.

Fundado em 1955, o Cine Clube de Viseu é “muito anterior ao cinema ao ar livre”. Perante a necessidade de acesso a filmes que não chegavam a Portugal, devido a impedimentos políticos, os Cineclubes foram “uma das respostas culturais mais importantes no país”. O Cine Clube vive, desde o início, no centro do território; por esse motivo, desfruta de uma perspetiva privilegiada sobre o impacto do cinema nos viseenses. “A questão de viver no centro está relacionada com experiências. Para nós, ver o filme em comunidade é partilhar alegrias, tristezas, choros e emoções, o que já aconteceu em imensas sessões; é um privilégio.”

Os filmes exibidos “a céu aberto” abrangem todos os gostos e idades. No entanto, o Cine Clube tenta garantir que, todos os anos, os filmes representam “cinema alternativo”. “O grande desafio é ter uma programação que parte de uma perspetiva de estudo ou gosto pelo cinema e propõe clássicos”, afirma Francisco. A ideia passa por fazer com que o “conceito fechado de cinema de nicho” passe a ser mais “abrangente”.

As sessões de cinema ao ar livre ocorrem todos os anos no final de julho. Este ano, o evento começou no dia 29 de julho e terminou a 2 de agosto. No primeiro dia de cinema, a Praça D. Duarte contou com “sala cheia” para a exibição de Ernest e Celestine. A longa-metragem de animação atraiu famílias e público de todas as idades. Verão 1993, da realizadora Carla Simón, preencheu a segunda noite, trazendo a língua espanhola ao centro histórico. O clássico do cinema francês Os chapéus-de-chuva de Cherburgo foi o filme exibido na última noite na Praça D. Duarte, e, apesar do frio que se fez sentir, os corações dos espectadores aqueceram-se ao som do musical de 1964.

Nos primeiros três dias, o ambiente do festival assemelhou-se na perfeição ao de uma sala de cinema tradicional. Durante a exibição dos filmes, o local ficou às escuras e o silêncio manteve-se, apesar do movimento habitual das noites de verão. O cheiro a pipocas e a grande tela em pleno centro histórico contribuíram para criar o cenário perfeito. Ao longo das cinco sessões, ouviram-se comentários positivos por parte de curiosos em relação ao evento.

Fotografia: Salomé Santos

Fotografia: Salomé Santos

O Cinema na Cidade é uma “atividade ambientalista à la lettre”, diz Rodrigo Francisco. O trânsito para o centro histórico é cortado, numa tentativa de se mudar a perspetiva sobre o que constitui e representa o espaço público. A possibilidade de ter pessoas em circulação e momentos de convívio num espaço onde habitualmente há trânsito ajuda à dinamização do coração de Viseu.

A acústica e imponência do Museu Grão Vasco não deixaram indiferentes as pessoas que encheram o espaço para as duas últimas noites. O filme italiano A Ultrapassagem levou os espectadores para uma viagem de carro a preto e branco. O realizador Tiago Pereira e o grupo coral As Ceifeiras de Pias tomaram conta da última noite do evento. O grupo de Cante Alentejano animou as ruas da cidade enquanto, no início da noite, cantava em direção ao museu – proporcionando aos presentes um dos momentos inesquecíveis do festival -, e, após uma conversa com Tiago Pereira, exibiu-se Os Cantadores de Paris.

O evento atrai turistas e público de todo o país. A rececionista do Hotel Casa da Sé garante que os turistas demonstram interesse pelos filmes transmitidos. A altura do ano em que o Cinema na Cidade acontece coincide com a altura do ano em que turistas mais querem conhecer Viseu. “Mas se a cidade não tivesse restaurantes de qualidade, hotéis em bom estado e um centro histórico reabilitado, não adiantava ter um programa fantástico.”

O Cine Clube permite que Viseu pertença a “um grupo de cidades com uma oferta cinematográfica de referência”. Falar em “cinema alternativo” é também falar de filmes europeus, e “não apenas filmes que se fazem no Japão ou no Panamá”. “Estamos a falar de filmes independentes da Europa, americanos, lusófonos e até portugueses, que sentem imensa dificuldade em chegar a salas comerciais. Não concebemos que uma cidade média da Europa não tenha uma oferta de cinema alternativo.”

Mas porquê cinema ao ar livre? Rodrigo explica que “o ar livre tem imensas vantagens”. A programação deste evento é diferente dos projetos promovidos pelo Cine Clube ao longo do ano: “temos cinema durante todo o ano, e isso faz-nos sentir necessidade de dinamizar uma atividade mais abrangente, de acesso gratuito. A linguagem é mais acessível – embora mostremos clássicos e filmes pouco vistos. O ar livre abre bastante o leque do público e desafia-nos a fazer outra programação.”

A organização do evento não se faz sem a ajuda de voluntários e a experiência de sessões anteriores. A estrutura “semi-voluntária” do Cine Clube é responsável pela escolha dos filmes e pela organização das sessões. No entanto, esta atividade “faz muito sentido só se houver participação de pessoas que queiram ter uma experiência diferente”. O Cinema na Cidade está, todos os anos, sujeito ao apoio da população.

A diversidade dos filmes exibidos este ano foi evidente. “Gostamos sempre de ter um espaço para a animação e contrariar a ideia que o cinema de animação é só para crianças”, observa o Cine Clube.

Em noites frescas de verão, o centro histórico de Viseu apaga as luzes e acende a tela. O objetivo do Cine Clube é transformar perspetivas em relação ao cinema e possibilitar encontros em comunidade. “Este projeto, que já conta com mais de 30 anos, foi dos primeiros e é dos que tem maior tradição de cinema ao ar livre em Portugal”, conta Rodrigo Francisco. Ele só acontece, continua, “porque há pessoas de Viseu que o fazem todos os anos”. O Cinema Na Cidade é um evento “em cadeia”, uma corrente que dinamiza o centro histórico e reúne a população. “As pessoas criticam e fazem sugestões. Cria-se um espaço de diálogo em Viseu”, ao ar livre, com “uma sala de cinema às costas”.

Artigo da autoria de Salomé Santos.

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