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Política

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS: «TEM QUE MORRER MUITA GENTE PARA VIVERMOS NA ABUNDÂNCIA»

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Boaventura Sousa Santos deu, no Porto, a conferência: ''Estamos num período de Globalização ou Des-globalização?'. Fotografia: Miguel Marques Ribeiro

Boaventura de Sousa Santos deu, no Porto, a conferência: ”Estamos num período de Globalização ou Des-globalização?’. Fotografia: Miguel Marques Ribeiro

A sala da Biblioteca Municipal Almeida Garrett encheu para assistir à conferência de Boaventura de Sousa Santos, um dos intelectuais portugueses mais respeitados no mundo. A iniciativa foi promovida pela Feira do Livro do Porto 2019, que decorreu até 22 de setembro, nos Jardins do Palácio de Cristal, estando integrada na homenagem que foi realizada ao professor e filósofo Eduardo Lourenço. Hugo Gilberto, jornalista da RTP, foi o moderador .

A «economia da morte»

Boaventura de Sousa Santos (BSS) definou-se a si próprio como um «optimista trágico» e a sua apresentação traduziu isso mesmo. Começou por fazer uma leitura desencantada do mundo atual. 28 famílias possuem 50 triliões de dólares, quando o PIB mundial são 90 triliões. Em Portugal, os oito mais ricos possuem o mesmo que os 50% da população mais pobre. As desigualdades são gritantes.

Parte do mundo tem que sofrer para que a outra viva na abundância. Vivemos numa «economia da morte», concluiu.

«O colonialismo não acabou»

A globalização, desde que teve início no séc. XV, com a expansão europeia, protagonizada também, em parte, pelos portugueses, alimentou-se sempre da «energia do capital» e de outras formas de dominação, como o colonialismo e o patriarcado. BSS sublinha que, apesar dos processos de libertação das colónias, «o colonialismo não acabou», ele persiste, já não como colonialismo histórico, mas como colonialismo externo e global, sob a forma do racismo e da xenofobia. O colonialismo «representa na sua essência a degradação ontológica do outro», podendo existir sob múltiplas formas. Tal como o patriarcado, isto é, a discriminação da mulher, que é outro dos aspectos fundamentais da dinâmica da globalização.

O cansaço da globalização resultou na des-globalização

Na segunda metade do século XX, assistiu-se a uma nova fase da globalização, liderada pelos americanos, sustentada essencialmente na digitalização (computadores, internet, telemóveis). No entanto, surgem hoje sinais contraditórios, um conjunto de factores que contrariam a globalização: o nacionalismo, o proteccionismo comercial, o Brexit, os independentismos europeus, entre outros exemplos. Isto configura um novo quadro político e económico que nos permite falar, até certo ponto, de uma des-globlalização.

Estamos, portanto, face a vários perigos. O primeiro relativo à própria democracia. O capitalismo neo-liberal destruiu as classes médias e o sistema de protecção social, o que leva muitos trabalhadores e elementos da classe média a aderirem à extrema-direita. O segundo é que estamos à beira do colapso ecológico. Tudo está à venda: a água, a terra, os ecossistemas.

Depois do realismo trágico, algum optimismo

Depois de enunciar todos os aspectos que compõem este quadro certamente preocupante da situação do mundo, vemos emergir o lado optimista do conimbricense que é atualmente professor convidado em duas universidades americanas (Wisconsin-Madison e Warwick). Há uma resposta a isto tudo que é a união das esquerdas, propósito sintetizado num livro recente que BSS publicou, intitulado ‘Esquerdas de todo o Mundo, Uni-vos!’. Boaventura, referindo-se à ‘geringonça’, sublinha que o caso português é único a nível global, um exemplo de que o mundo pode colher uma lição.

Propõe assim a construção de um modelo de desenvolvimento alternativo, em que a natureza não esteja à nossa disposição. «A natureza não nos pertence, nós é que pertencemos a ela». BSS acredita que esse modelo de desenvolvimento mais humano está a emergir.

Se isso vier a suceder, a educação terá um papel determinante para retirar as crianças do que ele classifica de influência tirânica das redes sociais. O professor jubilado da Universidade de Coimbra não tem dúvidas: a educação deve ser pública. «Se não fosse, eu, que sou filho de um cozinheiro, nunca chegaria à Universidade, nunca chegaria aonde estou hoje».

O investigador-ativista de causas sociais

Boaventura de Sousa Santos tem 78 anos e nasceu em Coimbra, onde estudou Direito. Fez o Doutoramento na Universidade de Yale, nos Estados Unidos da América. Ficou conhecido do público português por ter sido um dos rostos da Comissão de Luta contra a instalação de uma central de Co-incineração em Souselas, em 2001.

É professor jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e director emérito do Centro de Estudos Sociais da mesma Universidade, estruturas que ajudou a criar em 1973 e 1978, respectivamente. Atualmente é Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick. É também o Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça.

 

Artigo da autoria de Miguel Marques Ribeiro. Revisto por Rita Pais Santos.