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Política

30 ANOS DA QUEDA DO MURO DE BERLIM: «PARECE QUE NÃO SERVIU PARA NADA», DIZ LUXÚRIA CANIBAL

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Adolfo Luxúria Canibal, fotografado na Biblioteca Almedia Garrett, no Porto. Fotografia de: Miguel Marques Ribeiro

Adolfo Luxúria Canibal, fotografado na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Porto. Fotografia de: Miguel Marques Ribeiro

O JUP falou com Adolfo Luxúria Canibal sobre o velho muro que caiu em 1989 e os muros novos que, trinta anos volvidos, não param de crescer por essa Europa fora. O pano de fundo foi o álbum Mutantes S21, editado em 1992, um disco que nos conduz numa viagem por algumas grandes cidades do Velho Continente na ressaca desse grande evento histórico.

Na faixa Berlim, do Mutantes S21, tu cantas ‘O muro está a cair…’. Como nasceu essa música?

Essa música de alguma forma permitiu repor-me no sítio onde devia estar quando o muro caiu. Encontrava-me em Berlim nessa altura, mas vim-me embora no dia anterior à queda, de maneira que quando cheguei a Portugal, na ida para o trabalho na segunda-feira de manhã, ouvi na rádio que o muro tinha caído. Ou seja, durante a minha viagem de regresso de Berlim para Portugal o muro caiu…

Lembro-me muito bem desses dias em Berlim porque estava em casa de alemães e todas as manhãs eles acordavam para ouvir as notícias na rádio, de que havia grandes movimentações do outro lado do muro, grandes manifestações, grandes discursos que se esperavam. Havia já uma grande tensão no ar, mas estava longe de imaginar que o muro ia cair de uma forma tão simples, senão tinha lá ficado.

Essa música de alguma forma vem repor-me no sítio onde devia ter ficado, no meio daquele acontecimento único, histórico que foi a queda do muro de Berlim, e que no fundo representou o início mais visível da brecha que deu origem à derrocada dos regimes do leste europeu, do capitalismo de estado imposto pela União Soviética.

Foi a partir daí que tudo o mais ruiu: a Hungria, a Checoslováquia, como se chamava na altura, a própria Jugoslávia e a União Soviética, tudo isso veio no seguimento dessa brecha que foi a queda do muro de Berlim. Foi um dos grandes acontecimentos históricos do século XX. Seria o mais importante se não tivéssemos tido duas Grandes Guerras Mundiais antes disso e que são muito mais relevantes, até pelas vidas que tiraram. Mas foi um dos grandes eventos, quanto mais não seja pelas consequências que teve.

Que outros ecos da queda do muro é que podemos ouvir no Mutantes S21?

Há a faixa sobre Budapeste. A cidade que lá está retratada é a cidade do imediatamente pós-queda do muro, em que de repente o leste começou a consumir o ocidente de uma forma desregrada e em simultâneo todos os últimos 40/50 anos de história do ocidente, com uma avidez enorme, porque tinham estado apartados dessa história, dessa vivência. Budapeste era um grande exemplo disso que estava a acontecer ao nível do leste. 

 

 

E a Europa de hoje? Que leitura fazes do momento actual?

A Europa tem dois graves problemas: um é a Europa ser muito homogeneizada. Hoje em dia as grandes cidades, as grandes capitais e as cidades mais medianas, todas elas estão mais ou menos parecidas. Têm tipologias próprias, nomes próprios, construções arquitectónicas próprias porque herdaram isso da sua História, mas a vivência urbana central das pessoas, a forma como se organizam socialmente está unificada. Não há grande diferença entre Paris e Londres, ou entre Londres e Roma, ou entre Roma e Lisboa. Perdeu-se um pouco, para não dizer mais, a identidade, a alma dessas cidades, de todas as cidades europeias e da Europa em si.

Por outro lado, outro grande problema que a Europa tem neste momento é que continua a ser, sem condições para isso, factor de atracção para todos os deserdados do mundo e isso cria ainda mais graves problemas à Europa, que ela não sabe digerir, nem sabe resolver. Daí resultam situações muito perigosas que podem conduzir a uma repetição histórica do que originou a Primeira e a Segunda Guerra Mundiais. A Europa está mais perto disso do que longe. Mas, enfim, são os momentos presentes que podem ser alterados e que esperemos sejam alterados para que a Europa continue a ser um local de acolhimento, e sem levantar esta onda de xenofobia e de incompreensão face ao outro que de repente tomou conta dela.

Ao mesmo tempo que comemoramos os 30 anos da queda do muro de Berlim há outros muros que se erguem em vários países europeus para defender a Europa de supostas ameaças externas. Isto é de alguma forma a negação do que aconteceu no dia 9 de Novembro de 1989?

É a negação absoluta. A queda do muro de Berlim foi a queda de uma barreira. Deu origem ao fim da divisão da Europa do século XX, que perdurava desde a Segunda Guerra Mundial, entre o leste e o oeste, que de alguma forma já se vinha cimentando desde a Primeira Grande Guerra. A Europa sempre fez o acolhimento, e bem, de pessoas vindas de outros continentes e mesmo da própria Europa. No fundo, o que se passa hoje resulta da velha rivalidade entre o rico e o pobre. O europeu rico não quer o outro pobre e de repente começa a construir muros. Parece que a queda do muro a 9 de Novembro de 1989 não serviu para nada.

Voltando ao Mutantes S21: e Shambalah [última faixa do álbum]?… Continuas a regressar ao reino da luz com frequência?

[Risos] Shambalah é uma mitologia oriental, é quase o Nirvana… Sim, é difícil lá ir, mas conseguindo há que ir porque efectivamente é um recarregar de forças e de baterias.


Artigo da autoria de Miguel Marques Ribeiro.