Cultura
JUP RADAR: MANUEL LINHARES – “APRENDER E ESTUDAR MÚSICA É UMA CONSTANTE”
Quem escolhe ser artista escolhe ser diferente. Escolhe viver uma paixão imensa rodeada pela incerteza. Ser artista não é fácil e Manuel Linhares não poderia estar mais de acordo. O cantor afirma: “Eu acho que isso é transversal a qualquer vida – do artista, de um músico ou de um performer – nunca é fácil porque o rendimento é sempre muito incerto”.
As dificuldades são visíveis e a escassez de apoios que se sente no meio artístico não ajuda. Manuel Linhares que o diga: “Os apoios para a cultura não são propriamente famosos. Não estou a falar só do Estado. Temos vindo a melhorar umas coisas, outras a piorar, mas continua a ser muito reduzido e de difícil acesso, especialmente a artistas individuais.”
Uma das soluções acaba por ser a transmissão de conhecimento. “São muitos poucos os músicos que não dão aulas, neste momento. São muito raros os que conseguem viver exclusivamente da parte artística”, diz o cantor.
O próprio Manuel Linhares confessa que dá aulas. Além disso, dá inúmeros workshops e tem um laboratório de improvisação na cidade do Porto.
No entanto, apesar das dificuldades do meio, o cantor considera-se um sortudo: “Eu apesar de tudo posso dizer que sou um afortunado, porque consegui já vários apoios. A maior parte das coisas que tenho feito, tenho conseguido alguns apoios. Muitos deles são estrangeiros, não portugueses, há essa questão.”
No entanto, o músico frisa que devemos ter consciência do caminho que queremos seguir: “é importante percebermos exatamente qual é o nosso percurso: se é uma coisa mais artística, se é uma coisa mais de ensino. E, no meu caso, eu quero um pouco das duas mas o principal é a parte artística.”
Manuel Linhares acredita que um artista tem de se dividir entre a parte de produção, produção de composição, o agendamento de concertos e deve estudar para continuar a desenvolver a sua carreira profissional. Segundo o próprio, “ um artista hoje em dia vive muito pouco daquilo que vende como albúm. Vivo mais de concertos.”
Quanto ao processo criativo o cantor acredita que é algo bastante flexível e o qual não deve ser forçado. Manuel Linhares conta-nos: “tinha de compor umas coisas para um projeto e estava a tentar forçar-me a compor. Perdi uma semana dos meus tempos livres a trabalhar sobre aquilo, e nada saiu. (…) Acho [o processo criativo] é muito flexível na medida em que, muitas vezes, é na pesquisa de acordes ao piano, de melodias e através da improvisação que surge o conteúdo. Eu componho normalmente através da improvisação e procura de coisas. Estou ao piano durante bastante tempo e vou experimentando, experimentando… “
Nas palavras do próprio: “passaram por mim muitas pessoas importantes, como professores e amigos ou professores que se tornaram amigos e que se tornaram colegas.” Com isto, Manuel Linhares revela algumas entidades que se cruzaram com ele no seu percurso artístico e que de algum modo o moldaram. “Há três grandes personalidades na minha aprendizagem e carreira. Mas talvez a pessoa que me marcou mais pela sua forma de pensar o mundo e de compor tenha sido Meredith Monk.”
No que toca às inspirações, o apaixonado pela intensidade do jazz apresenta a seguinte teoria: “Acho que as inspirações vêm mais das pequenas coisas, vêm do dia-a-dia, do que experiencio como artista e como pessoa.”
Nomeadamente um dos seus álbuns, Traces of Cities, é o reflexo das suas experiências pessoais: o tentar encontrar-se e o processo para perceber qual é o seu lugar e propósito.
Por seu turno, o seu mais recente trabalho, Boundaries, recai especialmente nas principais questões do século XXI: “Tem um pouco mais a ver com questões sociais e com preocupações que não podem ser indiferentes a um artista que escreve. Nomeadamente, as mudanças sociais, com as migrações, ou com a enorme crise de refugiados que afeta o mundo inteiro, não só no mediterrâneo. Mas parece que ninguém quer fazer nada por isso, ou não é o suficiente.”
Manuel Linhares está ligado à música desde que se lembra. Apesar das dúvidas que surgiram durante a adolescência, o artista não se desconectou desta arte e acabou mesmo por enveredar pelo estudo de canto na ESMAE (Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo).
Mas a sua formação académica não ficou por aqui. O cantor passou por Barcelona, onde considera que existe uma cultura latina enorme, e por Berlim, uma cidade que “musicalmente tem muita coisa a acontecer – com muitas coisas experimentais, misturando eletrónica com jazz, e com tudo.Todos os géneros se misturam e isso foi muito bom e fez-me mudar como pessoa e como artista”, esclarece o compositor.
O mercado da música tem vindo a sofrer alterações e há hábitos que estão ultrapassados. Manuel Linhares põe em pratos limpos as dificuldades que artistas como ele encontram atualmente: “Ainda outro dia estava a falar com uns turistas e eles perguntaram-me ‘Não há restaurantes com música ao vivo?’ Na realidade, muitas dessas coisas deixaram de existir. Lisboa, apesar de tudo, tem um pouco mais que o Porto, mas a possibilidade de os músicos rodarem e tocarem é muito menor, porque os bares deixaram de investir muito nisso. Nos bares, fica mais barato pagar a um DJ a noite toda do que ter uma banda a tocar. Nos restaurante, acaba por ser um pouco a mesma coisa. Coloca-se uma playlist a tocar e a coisa está feita. O mercado reduziu muito. Eu sou um felizardo que ainda consigo tocar e fazer algumas coisas, mas é uma carreira que se vai construindo. “
O mito afirma que o jazz é um estilo de música desconhecido por muitos e pouco apreciado. Mas Manuel Linhares discorda. Não considera que seja pouco apreciado pelo público, mas admite que produz para um nicho de mercado.
A verdade é que o é muito mais do que aquilo que nós achamos: ”Hoje, o jazz é muito abrangente. Não é só o tradicional a qual estamos habituados. Neste momento, o jazz é uma fusão de muitas coisas.”
Para o artista, o ouvido é algo que tem de ser estimulado. Atualmente, é tudo de consumo tão rápido que nem paramos e nos esforçamos, neste caso, a educar os nossos ouvidos. Por isso, Manuel Linhares acredita que o jazz não é um género subjetivo, porque a subjetividade parte do ouvinte: “Quando uma pessoa está muito habituada a ouvir só música comercial – e quando digo música comercial quero dizer pop, fado, etc, mais dificilmente terá uma abertura para ouvir outro género de música”, explica.
Numa perspectiva futura, o cantor de jazz vai estar no dia 22 de novembro no Cascais Jazz, em Lisboa, e está a tentar criar um projeto transatlântico com Pedro, um guitarrista e cantor brasileiro que conheceu em Nova Iorque.
Artigo da autoria de Mariana Vilas Boas
JUP Radar é a rubrica mensal do Jornal Universitário do Porto, incluída na editoria de Cultura, que explora os artistas emergentes, nas mais diversas áreas, que chegam ao nosso radar.