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Cultura

PÁTRIA: A BANDEIRA DA LOUCURA

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Há vários motivos para se querer rever um espetáculo: porque houve detalhes que nos escaparam e queremos perceber, porque nos fez sentir bem e queremos repetir,  porque queremos ter uma perspetiva de quem já conhece o final, entre outras tantas. Pátria é misterioso, intenso e inesperado e consegue fundir a lista inteira.

Em cena, na penumbra de um apartamento que transpira solidão, está um homem que fala sozinho entre as plantas. Bernardo Carvalho, autor do texto, gosta de deslocar e desenraizar as personagens, e este sem nome encaixa no seu molde. Por ser suspeito e exótico foi culpado do que não cometeu, e viu-se no beco de se tentar desprovar sem provas. Assim, expatriado e desnorteado, passa os dias calado a ser comido pelo silêncio – tal qual os insetos que devoram as plantas que o camuflam entre as paredes.

Mas – sorte a do espectador – decide abrir a boca no dia em que o estamos a ver. Porque os problemas são como aquela maldita infiltração no teto: por mais que ignoremos e ponhamos um tacho no chão a acumular a água, alguma gota, em algum momento, vai transbordar. E, naquele dia, ao recontar  a história – a história na qual acreditou depois de tantas vezes contar – ele foi a própria gota.

Pedro Almendra dá corpo e alma a este homem irritado, que se afogou na seu próprio tacho de problemas e traumas. E, algures entre sussuros e alucinações, prova que os monólogos são a mais crua representação do quotidiano e, quiça, a mais clara evidência de loucura.

Também nós falamos sozinhos, refilamos com as paredes e choramos com os livros que já lemos. Também nós duvidamos (em certa parte, eternamente) quem somos e se pertencemos a algum lugar. Também nós confessamos o que não fizemos e tornamo-nos no que não somos. Também nós somos o alguém para alguém que é mais para nós do que nós para ela. Ou, tristemente, o inverso. Mas nem todos nós conseguimos atravessar a passadeira sem olhar para os lados. Ou, melhor ainda, atravessar a passadeira sem sair do lugar. Isso só os loucos conseguem.

Pátria é sobre ter um teto mas não ter uma casa. É o hastear da bandeira da loucura. E, no fim, não aplaude quem é patriota (mesmo que de uma pátria que não existe). Aplaude quem é louco.

 

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