Artigo de Opinião
EXISTE UMA CULTURA ALIMENTAR PRÓPRIA NO PORTO?
O Porto tem algumas particularidades alimentares que derivam da história da cidade, do clima e dos solos que a rodeavam, da estrutura social e económica e da relação entre a cultura e ambiente. Como em todas as regiões onde se formatou um padrão alimentar original, três condições foram necessárias. Especificidades ambientais, tempo e pessoas. Para que o processo adaptativo entre os produtos alimentares disponíveis e a experimentação culinária tivesse sucesso. Este sucesso dependeu inicialmente a sobrevivência das gentes da região, e mais tarde, e progressivamente, fomos atribuindo valores simbólicos aos “nossos” alimentos. A alguns alimentos atribuímos prestígio, a outros menosprezo. Certos alimentos oferecemos aos convidados, certos pratos fazemos apenas nas festas, certas formas de comer consideramos adequadas para o Verão, outras para o Natal, Páscoa ou para o Sº João. A alimentação é pois um dos aspetos mais ricos da nossa cultura e que nos diferencia. Se eu fosse um economista diria que “a nossa alimentação e a forma de os portugueses verem os alimentos dá-nos valor”.
Contudo, quem vende alimentos e formas de comer mais estereotipadas, hoje conhecida por fast-food, também tem interesse em ocupar um espaço no nosso dia-a-dia alimentar. As estratégias para substituir uma forma de comer ancestral, por outra mais recente, são diversas. Desde a apropriação do espaço urbano mais nobre (roubo aqui o título ao João Queirós), baixo preço, elevada disponibilidade 24 horas por dia, ou a intromissão, e também aqui, apropriação do entretimento e tempo lúdico. Veja-se a invasão dos centros comerciais, dos cinemas ou da televisão pelos alimentos de elevado valor calórico e pouco mais. E o marketing de grande qualidade que nos leva a pensar que consumir água com açúcar e caramelo é uma forma de nos colocar no registo “Bright Side Of Life”. Aliás, num momento de crise e até de interrogação face ao que fomos e ao que temos de ser no futuro é muito fácil apelar ao fácil e ao que nos afasta de pensamentos mais profundos e eventualmente deprimentes. Hoje, cola bem o modelo Monty Python: If life seems jolly rotten, There’s something you’ve forgotten, And that’s to laugh and smile and dance and sing, When you’re feeling in the dumps, Don’t be silly chumps, Just purse your lips and whistle- that’s the thing. And…always look on the bright side of life…
Felizmente, a cidade do Porto, nos últimos 40 anos, pela mão de Emílio Peres, José Pedro Lima – Reis, pela Escola de Nutrição da Universidade do Porto e tantos outros, tem mostrado que é necessário e possível trilhar e promover o caminho do pão de qualidade, da nossa broa, hortícolas, feijão, bacalhau, caldo verde e outras iguarias, originando uma gastronomia que concilia o saudável com a manutenção da cultura e do conhecimento ancestral, do emprego e do ambiente.
Aprender o menos fácil, procurar e proteger o mais frágil, investir nos saberes e nas pessoas que produzem o menos óbvio… é hoje mais difícil. Porque existe uma barreira que remete para os sabores fáceis – feitos de gordura, sal e açúcar, velocidade e vertigem sensorial. E para o apelo ao moderno e cosmopolita, mesmo nos produtos e produções mais tradicionais que embarcaram recentemente na “tasca chique” do novo turismo tripeiro. A vertigem do social. Mas tenho a certeza que alguns irredutíveis cidadãos continuarão a procurar o caminho menos óbvio, mas possível. E entre eles, certamente, muitos universitários da UP.