Política
Itália: Em tempo de pandemia, Governo acossado por regiões e oposição
No que diz respeito ao seu espetro político, a Itália tem assistido a uma ascensão de iniciativas políticas à direita. A pandemia do Coronavírus ameaça reforçar esta tendência.
De acordo com o site norte americano Politico, a tendência de voto para o maior dos partidos no poder (o Movimento 5 Estrelas) está a cair. O Partido Democrata Italiano (o outro partido no poder), maior força à esquerda, teve uma ligeira subida, encontrando-se apenas a 8 pontos percentuais da Lega, maior partido da oposição, que segue na frente.
Destaca-se ainda a subida acentuada nos últimos meses do Fratelli d’Italia (Irmãos de Itália, em português), aproximando-se muito do Movimento 5 Estrelas, vencedor das Eleições Gerais de 2013 e 2018.A pandemia da COVID-19 afetou Itália de uma forma devastadora com 181,228 infetados e 24,114 mortes até ao dia 20 de abril.
O desespero do povo italiano tem motivado a agitação social e não faltam críticas ao governo, liderado pelo Primeiro-ministro, Giuseppe Conte e suportado pela coligação entre o Movimento 5 Estrelas e o Partido Democrata Italiano. Essas críticas provêm sobretudo do Governo Regional da Lombardia e da oposição de direita.
Os Principais Partidos
Os dois partidos do poder em Itália são o Partido Democrata Italiano e o Movimento 5 Estrelas.
O Movimento 5 Estrelas é um movimento de caráter populista, com uma identidade nacionalista, se bem que não tão enfatizada como na Lega, a formação de extrema-direita. Fundado pelo comediante Beppe Grillo e pelo estratega web Gianroberto Casaleggio, este movimento não se reconhece como um partido político, mas sim como uma associação livre de cidadãos. Nega qualquer inclinação tanto para a esquerda como para a direita política.
É liderado por Vito Crimi e conseguiu obter o maior número de lugares na Câmara dos Deputados do parlamento italiano nas eleições gerais de 2013 e de 2018.
O Partido Democrata Italiano é liderado por Nicola Zingaretti (que recuperou de COVID-19, recentemente).
Foi fundado em 2007, na sequência do final do processo por corrupção política que levou à detenção de 3000 pessoas (o processo Mani Pulite) que abalou todo o panorama político italiano, pondo fim à 1ª República de Itália. É constituído pela união de vários partidos do centro e da esquerda como os Comunistas e Democratas Cristãos.
A sua ideologia é algo difusa, devido à variedade ideológica no seio do partido, mas é comummente associada à social democracia e ao Partido Democrata americano. Aliás, o seu fundador, o ex-primeiro ministro Matteo Renzi, chegou mesmo a ser apelidado de “Obama italiano”.
A Lega Nord (nome original da Lega) foi fundada em fevereiro de 1991, sob o ideal de unir as forças autonomistas do norte de Itália, nomeadamente no sentido de assegurar uma descentralização em relação ao governo de Roma. Resultou da expansão da Liga da Lombardia e é um partido que durante toda a sua existência assumiu posições controversas, tentando estabelecer-se como um movimento “antissistema” e separatista.
Mateo Salvini assumiu a liderança da Lega em 2013 e ajudou a conduzir o partido para uma posição autenticamente nacionalista, não mais separatista, aproximando-se do sul de Itália. A Lega é agora um partido conhecido pelas suas posições racistas e de oposição à União Europeia.
O partido Fratelli d’Italia é a mais recente força política em ascensão no país. Liderado por Giorgia Meloni, é descendente do Movimento Social Italiano, marcadamente pós-fascista.
Meloni já afirmou que pretende ser a primeira mulher a ocupar o lugar de Primeira ministra em Itália. As suas ideias são muito próximas das de Salvini, nomeadamente no que diz respeito à imigração. Tem, contudo, um discurso menos agressivo.
A ausência de um historial de ideias separatistas fomenta o apoio ao Fratelli d’Italia no sul de Itália ao contrário da Lega, o seu principal parceiro à direita.
A discórdia entre Roma e as regiões
A pandemia do Coronavírus tem-se revelado um teste de fogo para o governo central italiano e o trabalho dos governadores regionais tem sido igualmente fundamental. Contudo, a ação do governo central para controlo da pandemia tem sido ineficaz aos olhos de alguns governos regionais, particularmente, do da Lombardia.
Attilio Fontana, presidente regional da Lombardia, acusou em entrevista à rádio Padania, o governo central de fracassar no fornecimento de material de proteção médica, como máscaras, à região, que é uma das mais afetadas pela pandemia. Fontana reforçou que sem a ação da região na procura deste equipamento no mercado, o próprio funcionamento dos hospitais estaria em causa.
Em resposta, o ministro das Regiões e da Autonomia, Francesco Boccia, afirmou numa entrevista a um canal de televisão italiano não ter “tempo, nem o desejo de criar controvérsias” e enunciou todos os materiais e meios enviados à Lombardia. Fontana admitiu acreditar em Boccia, mas que também deve acreditar nos dados que tem em sua posse e que por agora, “a Região fez muito mais”.
Uma sondagem feita pelo jornal Corriere della Sera revelou que 70% dos italianos aprova a ação do executivo durante a pandemia no país com 26% dos inquiridos a condenarem a mesma. A sondagem também demonstra que 42% dos inquiridos atribuem às regiões a maior eficiência no que diz respeito a medidas de contenção, com 34% dos indagados a atribuir a responsabilidade principal ao governo executivo.
Ao analisar esta sondagem, é possível compreender que a maior base de apoio ao governo se encontra no sul do país, menos afetado pelo surto. Esta discrepância de apoio ao governo central poderá estar associada à abundância de governos regionais de direita no norte de Itália.
A problemática entre Milão e Roma está a despertar um debate em relação à gestão da Saúde: se essa competência se deve encontrar descentralizada e sob a autoridade de cada governo regional, ou concentrada sob o poder da autoridade do governo central.
A polémica em torno da ajuda europeia
À semelhança do que acontece ao nível da relação entre o Governo regional da Lombardia e o Governo central em Roma, os partidos da oposição não pouparam críticas ao Primeiro ministro Giuseppe Conte, particularmente no que diz respeito à solicitação de ajuda pelo país ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE).
Conte justificou a sua intenção no sentido de utilizar esta ajuda como uma forma de injetar liquidez nas economias mais afetadas pelo vírus. Mateo Salvini e Giorgia Meloni já manifestaram a sua oposição a esta iniciativa. Salvini declarou que esta medida empurraria Itália para um “túnel de sangue e lágrimas”. Num comunicado ao país, Conte declarou que não aceitará qualquer contrato que não inclua “instrumentos adequados” para auxiliar a recuperação económica dos países mais afetados.
Os dois líderes da direita italiana já responderam às declarações do Primeiro ministro. Salvini classificou a iniciativa do chefe do Executivo de acusar a oposição numa declaração ao país através da Televisão pública como “coisa de Regime, coisa de União Soviética”.
Meloni escreveu numa publicação do seu Facebook uma resposta semelhante à de Salvini, caracterizando os métodos de ação do governo italiano como “dignos de um regime totalitário”, acusando o Executivo de arrogância e o Primeiro ministro de espalhar fake news na televisão pública quando afirmou que Meloni fora ministra no governo de 2012 que ratificou o MEE.
Texto da autoria de Filipe Pereira. Revisto por Miguel Marques Ribeiro.