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Crónica

Frases temporo-agramaticais

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Tenho um amigo chamado Vasco que, há uns anos, proferia frases bizarras e agramaticais, como, por exemplo: “vou empurrar-te contra ali” (ler crónica “Um erro gramatical, um arbusto e uma meretriz entram numa crónica“), “passei a tarde de manhã” (ler esta crónica), “fiz o que tinha feito” (ler futura crónica, a não ser que já esteja farto de ler crónicas sobre erros gramaticais), etc. A estas frases chamávamos-lhes de “vascos” – até hoje, desconheço o motivo pelo qual eram designadas desta maneira. No presente texto, gostaria de examinar aprofundadamente a questão filosófica imposta pela frase “passei a tarde de manhã”.

Como todos sabem, passar determinado horário em outro é impossível e parvo. Nem a desculpa do enunciador de se encontrar num fuso horário diferente do interlocutor faria sentido, pelo que se conclui que é uma frase agramatical. E néscia. Todavia, em dezembro de 2017, sem que ninguém notasse, ocorreu novamente um desfasamento temporal linguístico

O que se sucedeu foi o seguinte: um indivíduo (ou energúmeno – ambas designações estão corretas), cujo nome não irei revelar (até porque já lhe chamei de energúmeno), exclamou esta belíssima frase: “E são duas da manhã… É sexta-feira”. Até aqui, o leitor não se terá apercebido do erro cometido e, por conseguinte, deve estar a pensar que o autor deste texto é chalupa. Não nego essa possibilidade. Porém, não clarifiquei o contexto em que foi dita tal estupenda exclamação: foi numa quinta-feira, por volta da uma menos um quarto da manhã. Portanto, existe algo de errôneo aqui. Irei esclarecer o que poderá ter sucedido, pois possuo três teorias para justificar esta falácia que serão apresentadas nos três parágrafos seguintes.

A primeira é que o indivíduo em questão se encontrava ébrio, mas ao visionar a nanocurta-metragem (ou como os jovens dizem atualmente: “Instastory”) torna-se claro que as suas capacidades cognitivas não parecem estar de todo afetadas pelo álcool – refutando, assim, esta hipótese.

A segunda é que seja uma private joke, visto que o público que rodeava o indivíduo se riu do que foi dito. Contudo, não irei considerar que seja uma piada, porque o meu objetivo é mormente achincalhar o indivíduo, e não faria sentido estar a elogiá-lo pelo facto de ter colocado o público a rir (público esse constituído maioritariamente por moças).

A última hipótese é que tenha sido estupidez – e é a que mais se adequa, após uma reflexão profunda (ou não, bastou um pensamento simples cuja finalidade é vituperar o emissor da frase com insultos gratuitos). Logo, para mim, sem sombra de dúvidas, a tese que mais se aproxima à realidade é esta hipótese da parvoíce.

Será que este indivíduo incorreu numa frase temporo-agramatical como aquela frase inicial do meu amigo? Repare, caro leitor, se a declaração dele é verosímil (relembro que toda a gente junto do indivíduo aceitou-a, pois ninguém o corrigiu), podemos dizer que o indivíduo passou a madrugada de sexta na madrugada de quinta. Sendo assim, isto significa que o argumento do indivíduo pode ser considerado um “vasco” (eufemismo para estupidez, recordo).

Concluo com o seguinte pensamento: se se diz que “o Natal é quando um homem quiser”, também é possível, obviamente, dizer que “serem duas da manhã de sexta-feira é quando um energúmeno quiser”.

 

Pós-Escrito: E é assim que eu passo a quarentena, caro leitor. A refletir sobre uma estupidez de 2017 que não importa a ninguém e a dizer demasiadas vezes a palavra “indivíduo”. Danos colaterais do confinamento, só pode.

 

Miguel Barbosa

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