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Cultura

O Underground que a pandemia fechou em casa

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Underground

O setor das artes e da cultura foi o primeiro a ser afetado com a chegada da pandemia do novo coronavírus. Após o anúncio dos primeiros casos de COVID-19 em Portugal, no início de Março, começou-se a assistir a diversos cancelamentos de espetáculos, medida que veio a generalizar-se com o eventual decreto do Estado de Emergência a 22 de Março.

Vivem-se tempos catastróficos para o setor cultural e para quem trabalha diariamente para o enriquecer e depende do mesmo para viver. Mas também os que, no background da indústria, lutam aguerridamente para se cimentarem no panorama musical nacional têm alterado os seus ritmos de trabalho. Salas que se costumavam de encher de batidas, riffs e “olhem isto que eu compus em casa”, hoje enchem-se de silêncio.

Dos palcos para casa

“Não nos vemos há pouco menos de dois meses”, refere João Sousa, vocalista da banda rock de Bragança Raiva Rosa. O músico considera que o impacto negativo da pandemia no trabalho da banda se sente “em peso”, dado que viram a gravação do seu primeiro álbum de estúdio, agendada para Março, ser cancelada.

"Raiva Rosa" Fotografia: Ângela Pereira

“Raiva Rosa” Fotografia: Ângela Pereira

Também a banda barcelense Rusted Sun viu a gravação do seu álbum impossibilitada. O baterista Adam Sarmento referiu estarem a tentar adotar uma prática de composição à distância e de ensaiar sem quebrar regras de higiene, constatando que “é complicado mas a gente faz sempre o possível para não parar”.

Para Tiago Rosendo, dos Johnny Sem Dente & Os Jatfodo, o distanciamento social dificultou o processo criativo da banda rock de Barcelos. “Temos tentado trabalhar em casa a gravar e partilhar mas é difícil, são projetos que vivem da partilha de ideias in loco onde tem que se sentir e ouvir para criar a sério”.

No outro extremo do espectro, os Fifth Empire, banda de metal aveirense, consideram que o seu processo criativo e de produção quase não sofreu alterações. “Grande parte do nosso trabalho é feito em casa via online”. Para o coletivo, a impossibilidade de estarem juntos não será sinónimo de não lançarem “coisas novas”, mas sim que vão ter de “puxar pela criatividade” para se adaptarem e criarem novas estratégias para divulgarem o seu trabalho.

Aos Rumours, do Porto, a pandemia do COVID-19 trouxe o cancelamento daquele que prometia vir a ser um dos seus maiores concertos até então, no festival Walk&Dance. A banda tem, no entanto, em conjunto com organizações com as quais já trabalhavam, criado pequenos concertos à distância. O objetivo da iniciativa é o de utilizar as redes sociais como via alternativa para a divulgação do seu trabalho de forma a “tentar mitigar a distância que agora temos dos palcos e do público”.

Mariana Bragada, mente criadora do projeto Meta que define como “um espaço de metamorfose, crescimento e libertação”, assume uma postura de reflexão e reinvenção em relação ao momento atípico que vivemos. “Sinto que é este é um tempo altamente introspectivo para todos e onde fomos forçados a fazer uma pausa e refletir (…) sinto que este tempo faz com que repensemos nessa forma de trabalhar, criar alternativas (…) e tentar de alguma forma aproveitar esta reflexão para criar um novo futuro”.

Por outro lado, os portuenses Balter Youth referem que no seu caso em particular, o confinamento pode ter levado a resultados positivos no trabalho da banda. Nas palavras da banda independente, o seu processo criativo não foi afetado com grande magnitude, dado que tinham já o álbum completo. “Tivemos de apostar muito mais nas redes sociais e meios digitais. No nosso caso até pode ter corrido bem porque com mais gente em casa a ouvir música e menos atividade no setor, os projetos independentes acabam por ter mais espaço disponível para promoverem os seus projetos”.

Fotografia: "Balter Youth"

Fotografia: “Balter Youth”

O amanhã do panorama underground

Ivo Correia, baterista dos projetos Thorne e Malaboos refere que a estratégia adotada neste momento será a de “observar”. Apesar de não saber se a pandemia irá trazer consequências negativas para os projetos em que se insere, o músico apenas afirma com certeza que “parados não podemos estar”. Quanto ao panorama geral da música underground, Ivo revela incertezas, apesar de constatar que “Quem é do underground vai sempre ir aos concertos do underground”.

Para os também oriundos de Viana do Castelo Mataee, o panorama da música underground sairá certamente muito fragilizada. Para a banda, no entanto, este fenómeno poderá vir a estender-se por todo o domínio artístico. “Daqui para a frente, quando for possível fazer concertos (…) as pessoas terão medo, isto porque passamos este período a adaptarmo-nos em como fazer tudo à distância (…) contudo quando nos for possível voltar à “normalidade” será outro choque”.

“Podemos ser pessimistas e acreditar que a cultura vai levar uma cacetada ou podemos acreditar que isto poderá ser de alguma forma um turning point” afirmam os Fifth Empire. A banda acredita que a pandemia do novo coronavírus poderá vir a ser destrutiva para o panorama underground nacional. “Infelizmente não podemos dizer que seja fácil ou sequer possível um projeto underground ser auto-suficiente, se houver um corte nos salários naturalmente haverá uma desmotivação no panorama”.

A banda Barananu segue a mesma linha de raciocínio e, nas suas palavras, “Esta paralisação é um entrave à subsistência de qualquer músico”. Defendem ainda que o impacto negativo no povo português levará também a consequências nefastas para o movimento underground e para quem dele faz parte. Para o quarteto cujas inspirações vão do jazz ao funk, a adaptação será uma parte inevitável na mudança de paradigma que se verifica atualmente.

Apesar de referir as fragilidades a nível financeiro, a protagonista do projeto Meta afirma que apesar das dificuldades, a “vontade de criar, colaborar e partilhar continua e talvez até mais forte”. Também os Rusted Sun partilham deste otimismo por entre as dificuldades e afirmam que “Temos a sorte de ter gente muito dedicada e muito trabalhadora no underground. Acreditamos que quando a situação estiver controlada o underground volte com força”.

Mudança de paradigma = Mudança de identidade?

“Todos sairemos um pouco alterados porque certamente todos aprendemos qualquer coisa nestes tempos”, afirmam os Balter Youth. Em concordância, Mariana Bragada refere que lidar com o inesperado e ultrapassá-lo da melhor maneira refletir-se-á no trabalho criativo. Afirma ainda que as alterações que advirem serão reflexo de que o crescimento foi uma das consequências que a pandemia trouxe.,Também os Raiva Rosa consideram que estes tempos poderão trazer uma outra maturidade para a banda, apesar de garantirem que continuarão com “a mesma vontade, o mesmo espírito, o mesmo amor pela arte e entre nós”.

Na mesma linha, os Johnny & os Jatfodo afirmam vir a manter a “maneira de trabalhar e ser”, sentimento partilhado com Ivo Correia dos Thorne e Malaboos. “Queremos dar concertos, ter noites e tardes memoráveis como sempre tivemos.”

Os Mataee consideram que a banda sairá destes tempos com uma nova perspetiva dizendo que  “Iremos arranjar sempre maneira de podermos fazer aquilo que realmente nos faz feliz. Porque esta quarentena tem destas coisas, desperta-nos o lado essencial das coisas e por esse motivo começamos a dar mais valor ao que realmente importa”.

O novo coronavírus colocou toda uma classe profissional numa situação desfavorável em termos financeiros e profissionais. Mas a vontade de crescer, a força para continuar a trabalhar na sua arte e o pensamento de que “tudo ficará bem depois da tempestade” é resumida na perfeição pelos Rusted Sun “Acho que vamos continuar a rockar para a frente como sempre fizemos, só com mais lavagens de mãos e menos abraços alcoolizados no fim dos gigs”.

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