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Cultura

Contos intemporais: Clarissa Pinkola e “Os Sapatinhos (demasiado) Vermelhos”

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“Os Sapatinhos Vermelhos” é uma história clássica, da autoria de Hans Christian Andersen, publicada em 1845. A importância deste escritor de peças e contos infantis é, de tal forma, consensual, que, na data do seu nascimento, 2 de abril, comemora-se o Dia Mundial do Livro Infantil.

A maioria das suas narrativas eram inspiradas no folclore dinamarquês, o seu país de origem. No entanto, em 2016, Clarissa Pinkola, psicóloga junguiana, poeta e escritora norte-americana, especializada em traumas pós-guerra, agarrou no conto, e tornou-o ainda mais intemporal e universal.

A história, embora datada em 1845, passa facilmente por atual. 

A personagem é uma menina órfã, que anda descalça pela estrada, mas que consegue construir os próprios sapatos – vermelhos e grosseiros, tal como ela gosta.  Vermelhos porque simbolizam a vida, a força e o brilho, mas também o mistério de toda a sua trajetória.

Clarissa, em “Mulheres Que Correm Com Os Lobos”, revela lendas, contos populares e histórias inter-culturais. E, na história “Os Sapatinhos Vermelhos”, em particular, eleva o poder instintivo das mulheres e apresenta as armadilhas, ameaças e seduções a que estão sujeitas, se não se mantiverem fieis à alegria e ao seu valor interior.

Num percurso descrito em conto, a jovem orfã ilustra a vida.

Com o desenrolar da narrativa e os acidentes sofridos, verifica-se que os sapatinhos marcam o contacto com a realidade. E, quando ela os perde, ou eles cedem, está a revelar-se o molde que a sociedade tem sobre cada um. Assim, num crescendo literário tenso e tétrico, a menina perde os sapatos e é tentada a ter os novos, mais bonitos e que não foram feitos por si. A menina deixa-se dominar pela beleza de um acessório e esquece-se de olhar para o todo. A menina é impedida de fazer aquilo que a faz brilhar e ser feliz, em detrimento de algo, supérfluo, sem o devido valor.

“Os Sapatinhos Vermelhos” vinca a valorização da essência criativa e da força de criar a própria vida, aponta a paixão exacerbada como uma armadilha e revela um possível cenário do que acontece quando não há um esforço completo de transformação interior – justamente o que acontece à personagem.

Clarissa Pinkola relembra esta história memorável e deixa a esperança de que se pode sempre aprender, recomeçar e criar o nosso sapato vermelho, com os recursos que temos.

Um dos poderes dos livros de contos é, precisamente, a multiplicidade de mensagens e variedade narrativa em tão poucas páginas. “Mulheres Que Correm Com Os Lobos” recorda-nos da urgência de voltar a pegar no tipo de histórias – que, erradamente, achamos efémeras e acriançadas demais – e “Os Sapatinhos Vermelhos” conduz-nos a uma reflexão sobre as escolhas – que nos marcam para sempre.

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