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Crítica

Raiashopping: saudosismo à la David Bruno

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Depois de O Último Tango em Mafamude e Miramar Confidencial, dois álbuns cuja narrativa assentava em histórias construídas com Gaia em plano de fundo, o artista gaiense decidiu voltar-se para as suas origens na Raia, e culminou em Raiashopping.

Um trabalho coeso, direto ao assunto, mas que deixa espaço para viajar numa atmosfera carregada de saudosismo.

Logo na abertura do disco, na “Introdução”, somos mergulhados numa atmosfera de nostalgia, da qual só saímos para respirar ao fim dos 25 minutos pelos quais se estende o álbum. Usando como mote um excerto do documentário “Saudades de Portugal”, da RTP – que cita a noção de nostalgia da infância nas palavras de Miguel Torga – esta faixa serve de montra para tudo o que aí vem, e nós, sem alternativa, entramos de bom grado.

Segue-se “Café Central”, um dos momentos altos de Raiashopping, pela universalidade da sua mensagem e das suas referências. Porque, no final de contas, todos já tivemos o nosso “café central”, a nossa “suecada” e a nossa “Avó Maria”. É a faixa que mais sucintamente resume o tema do álbum e nos mostra, pela primeira vez, o quanto de memórias nossas estão nestas que David Bruno apresenta.

Em Raiashopping encontramos também, possivelmente, o melhor uso de interlúdios entre as “canções” propriamente ditas: os “Momentos”. Em quatro faixas separadas por canções mais longas, Bruno serve-se de soundclips de pessoas reais e pequenos instrumentais para construir uma narrativa recheada de “Portugalidade”.

Esta foi a sua opção para nos reavivar a memória de um país do qual esquecemos, mas que, na verdade, nunca deixou de existir. 

“Festa da Espuma” e a faixa de encerramento “Doucement” apresentam-se como os restantes grandes momentos do álbum. A primeira representa o único som verdadeiramente dançável e acaba por ser uma pausa na colagem de memórias. Por sua vez, “Doucement” equipara-se ao momento em que nos despedíamos dos nossos primos que só víamos em Agosto – e custava sempre, porque vivíamos mais naquele mês do que nos outros onze.

No final de contas, este sentimento resume Raiashopping: é uma viagem que parece bem mais longa do que realmente é.

Apesar de durar apenas 25 minutos e não soar particularmente longo, quando o som termina fica com a sensação de que experienciamos bastante mais do que seria possível em menos de meia hora. Talvez porque vamos entrelaçando nas memórias de David Bruno, as nossas próprias e o resultado seja um cocktail de nostalgia – que soa tão intimista quanto geral. Tão dele, como nosso. Tão grandioso, como fugaz.

Ao fechar o álbum, fica a certeza de que ninguém manuseia a arte de ser simultaneamemte experimental e tradicional tão bem como David Bruno. E quem não vê que isso o torna um dos mais relevantes artistas do panorama musical só pode vir (como o próprio diz em “Doucement”) em “contramã”.

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