Cultura
Janeiro: um músico de outro tempo
Este é um disco que realça a importância do processo, mais do que do resultado final. É um disco sobre liberdade. Um disco que contém 12 músicas, que se duplicam e se transformam em 24. Um disco que, para Janeiro, é, sobretudo e primeiramente, para si e depois para os outros. Um disco que retrata uma viagem repleta de aprendizagens e progresso pessoal. Nas palavras do cantor: “Foi uma escola gigante. Estive com imensas pessoas, gravei, regravei e eu acho isso uma das coisas mais incríveis da expressão artística. É puder começar um processo e depois (esse mesmo processo) ser alterado pelo processo que tu propuseste para ti próprio.”
Janeiro pegou em 12 músicas e apresentou-as de duas formas, dando-lhes uma abordagem de produção diferente. De um lado, as músicas são mostradas de uma forma pura e despida, na sua essência. Do outro lado, as músicas são trabalhadas e misturadas.
“Com Tempo, Sem Tempo divide-se entre a compressão e a sedução.”
O artista explica: que Sem Tempo é o lado da compressão, o lado em que “vou ter com as pessoas, e as agarro”. Por seu turno, Com Tempo é o lado da sedução: “é o lado em que digo que as pessoas é que têm de vir ter comigo. Elas é que têm de se interessar.”
Para o autor, o tempo e o dinheiro são as duas questões primordiais da sociedade, e esta necessidade de fazer as pessoas parar, levou Janeiro a produzir um disco sobre o tempo, que acaba por ser “o bug da sociedade”.
O produto demorou dois anos a ser produzido, e passou por S. Paulo, Rio de Janeiro, Porto e Londres, e conta com a colaboração de vários artistas desde Carolina Deslandes, Salvador Sobral, Tó Brandileone, Tiago Nacarato, entre outros. O critério de escolha dos artistas? A amizade e o amor.
“Para mim a arte é vida, e a vida é amor. Aí resume-se tudo.”
Se formos por partes, Sem Tempo demorou um ano e meio a ser produzido e Com Tempo apenas cinco dias. Mas cinco dias de isolamento e de sinceridade. O artista confessa que foi uma total abertura de alma: “fui eu a mostrar o que é que eu sou, acho eu. Nunca tinha posto isso num disco… há momentos em que eu estou mesmo aos berros, e isso não se vai repetir.”
Pensarmos no processo leva-nos ao progresso, e o que mais cativa o cantor é a atividade transformadora da arte. É a forma como, através da sua música, ele pode chegar aos outros, e vice-versa. “Eu poder tocar em ti com uma música…Eu nem sequer estou lá, e tu se calhar estás a entrar no meu cérebro e estás a entrar na forma como eu penso, e nós não nos conhecemos. Isso é lindo.”, afirma o cantor.
“É como se eu fizesse uma fotocópia da minha alma e pusesse em som.”
A quarentena afetou-nos a todos, não só como sociedade, mas também individualmente. A Janeiro trouxe ansiedade e stress, em termos humanos, mas em termos artísticos deu-lhe o espaço para pegar em tudo o que tinha e concretizar. E, numa altura em que a indústria da música está “cheia de imposições” e as pessoas raramente se questionam, Janeiro sentiu a necessidade de dar ao público um álbum repleto de nudez artística e conteúdo.
“Acho que falta conteúdo. Acho que estamos a viver num mundo só de forma, e um mundo só de forma, depois faltam-lhe as ideias.”
Com Tempo, Sem Tempo é um álbum repleto de dualidades. Por um lado, obriga o ouvinte a apreciar, com tempo e atenção, cada música para a perceber devidamente. O autor aprofunda, explicando que lhe interessa “essa ideia de, numa audição superficial, se dançar ao som uma coisa que é, aparentemente, leve… mas, depois, ao ouvir ou ler o conteúdo, se ser levado para uma cena completamente diferente, para outro sentimento, para outra forma de pensar.”
Em 2018, lançou o disco Fragmentos, depois fez a “Janeiro Sessions Live Tour” – que entretanto foi interrompida por uma pandemia. No entanto, nada o impediu de lançar o seu segundo disco de originais “Com Tempo, Sem Tempo” – que faz dele um artista de outro tempo.
Um álbum sincero e transparente, que reflete a sua paixão e sacrifício. Janeiro dá-se a conhecer a todos, aos que têm tempo e aos que não têm. O futuro é ainda um pouco incerto mas, para o artista, permanece a certeza de que vai sempre continuar a criar narrativas e música, porque é aquilo que lhe traz luz.
Artigo da autoria de Mariana Vilas Boas