Crítica
“Deeds not words”
“Suffragette”, de Sarah Gavron, é um filme que ficará sempre guardado num cantinho especial da minha alma, não apenas pelo tema emocionante e delicado que retrata, mas também pelo seu cariz revolucionário que quase nos faz sentir capazes de transformar tudo o que está de errado com o sistema político e social em que nos inserimos. O drama britânico, baseado em eventos reais, permite-nos conhecer mais profundamente a luta de muitas mulheres britânicas no início do século XX (as sufragistas) que se fizeram ouvir através de ações progressistas e atos de vandalismo. Estas militantes, fartas de serem ridicularizadas no seio Parlamentar e em capas lançadas pela Imprensa, levantaram as suas vozes, numa luta pelo direito ao voto e à igualdade, contra um sistema capitalista e de dominância masculina. Entre estas mulheres, muitas foram presas e agredidas pelas forças policiais, entrando em greves de fome na prisão que, muitas vezes, faziam com que fossem alimentadas à força pelo nariz, através de um método extremamente doloroso. Através de uma estratégia persuasiva, educativa e de rebelião, as sufragistas britânicas destacaram-se na corrida por um lugar no sistema eleitoral, acabando por influenciar mulheres de todo o mundo. O seu mote “we need deeds, not words” (“precisamos de atos, não de palavras”), é o barulho de uma resistência inspiradora que ganha destaque no filme.
A evolução da personagem principal é um processo de crescimento conjunto. Vemos a passagem de uma jovem trabalhadora, esposa e mãe, que começa a observar os movimentos sufragistas, acabando por se envolver fortemente nos mesmos. Há uma grande mudança na maneira como esta personagem perceciona o mundo que a rodeia e o seu papel na sociedade, e são abordados dois lados consequentes disso: o sofrimento e incerteza trazidos pelo ativismo, mas também o seu crescimento individual e as ligações que foram sendo criadas com outras mulheres.
“Suffragette” é um bom “reminder” para todos aqueles que não reconhecem que o caminho traçado pelas mulheres até aos dias de hoje não tem sido fácil. Não é um percurso que foi evoluindo sistematicamente e de uma forma “naturalmente democrática”. É um percurso pelo qual foi necessário lutar. Há um lado humano e autêntico que se sobrepõe a qualquer cenário construído e a qualquer guarda-roupa pensado para cada personagem. Este é um filme sobre problemas reais, em tempos reais. É o contar de uma história passada que se estende até aos dias de hoje. Somos constantemente influenciados pelo meio que nos envolve, e caraterizamo-nos por muitos fatores que podem percorrer um longo caminho, desde a educação que nos é dada por outros, até à educação que escolhemos dar a nós mesmos, pelos filmes que vemos, os livros que lemos e a música que ouvimos. Ver “Suffragette” é um “impulsor” catártico, capaz de nos fazer refletir sobre uma realidade não tão distante. É apenas mais um filme que demonstra uma época em que a desigualdade de género predominava fortemente, e este é apenas mais um texto que pretende voltar a trazer o assunto para cima da mesa, para que não nos esqueçamos que a realidade das mulheres de hoje já não é igual à realidade das mulheres de ontem, mas que ainda se encontra longe de ser a realidade desejada. E sentimos que nunca é demais abordá-lo. Enquanto essa sensação perdurar, não deixaremos de escrever. Nem filmes como “Suffragette” deixarão de ser feitos.