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Cultura

FIMP: o torpor do Cheiro Dos Velhos

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De 9 a 18 de outubro, o Festival Internacional das Marionetas do Porto (FIMP) está, pela 31ª vez, a mostrar criações de diversas companhias ao público portuense. Com diversos espetáculos e masterclasses, e com uma alternância entre transmissões online e sessões ao vivo, o FIMP consagra este ano como mote “Os Limites Humanos” e o autoquestionamento sobre o que nos move e consome.

No passado fim de semana (10 e 11 de outubro) ocorreu a estreia absoluta do espetáculo “O Cheiro dos Velhos”, do Grupo de Teatro do Centro Cultural Português do Mindelo, escrito por Caplan Neves e encenado por João Branco.  O autor é também um dos intérpretes, juntamente com  Lisa Reis, Janaina Alves e a sua dupla inanimada.

Ou o cheiro dos velhos ficou estancado algures, ou houve qualquer coisa que não bateu certo.

Admitindo que dentro da sala dominaram os calafrios e quando se pisou o exterior ascendeu o alívio, então há que identificar se a sensação proveio (injustamente para os artistas) por nostra culpa e nostra disposição; ou se foi mesmo provocada por uma estranha energia exalada do palco.

Repartida entre três atos, a narrativa desenvolvia-se através de um diálogo interminavelmente longo entre Osvaldo, um funcionário público, e uma “velha mendiga cadavérica, desdentada e fedendo a álcool”, estando esta última representada por uma boneca animada pela pessoa que a segurava por trás.

O diálogo atravessou três fases distintas: num primeiro momento, cujo cenário era supostamente uma praia, a velha – com os sapatos de Osvaldo em sua posse – era quem parecia mais senhora de si, mais convicta e mais maquiavélica, acusando-o de um crime e desejando respeito. O segundo momento dizia respeito a um flashback que nos leva a um Osvaldo (o grande e poderoso funcionário público) que se abate sobre uma velha reduzida a trapos, esmagando-a com o peso do seu alto cargo – que o permite “urinar para as sopas do estado” a seu bel-prazer. Por fim, no terceiro momento, ocorre o julgamento final entre as duas personagens em jogo.

Fotografia: José Caldeira

Responsável pelo avançar da história, está uma terceira figura em palco. Era ela quem nos conduzia pelos cenários imaginários e, sobretudo quando a ação ficava quente – e era necessário um movimento impossível dada a imobilidade da boneca – era a narradora que versificava os seus gestos. Mas estas mudanças de protagonismo recorrentes não ocorriam de forma suave. Muito pelo contrário.

A narradora, diabolicamente risonha, parecia ser o momento alto da peça por possuir uma presença apelativa e elegantemente executada durante todos os seus cantos e falas.

No entanto, quando ocorria a descaída para a ação principal…os espectadores caíam numa espécie de entorpecimento induzido pela zaragata de tantas, tantas, tantas palavras.

Partindo de um texto extremamente bem escrito, adornado de metáforas e excelentíssimos vocábulos, a sua execução fica a desejar. Se bem que é de admirar a forma como se estabelece a ligação entre a boneca e quem a coordena, o infindável diálogo não prima por uma atuação suprema. A ação é pouca e pobre: todos os paralelismos de sapatos/lambe-botas; fedores a velho/fedores a cobardia; poder/respeito e verdade/mentira, ficam com um significado apenas passageiro.

A peça desenrola-se, enrolando-se.

Agressões verbais passam a agressões físicas e, de repente, temos um homem nu, sádico, em cima da mesa. No público, um pai sai disparado da sala com as crianças e quem fica tem de digerir aquele ambiente desconcertante ao qual aparenta faltar harmonia e congruência na ação. Seja como for, a crítica às instituições públicas e à sociedade está bem presente e dá muito que pensar.

Sem qualquer dúvida: quem cria a narrativa, tem o poder de escolher a mensagem; e quem a escuta, tem a responsabilidade de fazer uma escolha consciente quanto ao futuro que quer ver erguido. “E black out.”