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Crónica

Filtros do Instagram e a busca insaciável de uma beleza irreal

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Não é de hoje que a confiança feminina é atrelada à sua aparência física, ao ponto de já normalizarmos muitas pressões estéticas condicionadas às mulheres. No âmbito digital, os filtros do Instagram são a nova ferramenta embelezadora. Iniciados no Snapchat, os filtros permitem uma versão “aprimorada” de si mesma, com cores, maquiagens e até “ajustes” faciais como aumento de boca e olhos, afinamento do nariz, contorno do maxilar, e por aí vai. O que de início parece inofensivo não demora para trazer a inquietação: o que acontece com a imagem que temos de nós quando acostumámo-nos a distorcê-la nas redes sociais?

Insegurança, crises de ansiedade, rejeição dos traços reais e o aumento da procura por cirurgias plásticas. As consequências do uso contínuo dos filtros desencadeiam distorções da auto imagem, baixa autoestima e transtornos mentais. A idealização projetada pelos filtros, baseada num único padrão de beleza, desencoraja o amor próprio e estimula a não aceitação da própria aparência.

E se, por acaso, esta crónica parecer um tanto exagerada, eu lanço o desafio: quantas selfies sem filtro vistes hoje nos histories do Instagram?

A verdade é que embora as selfies filtradas transpareçam confiança e empoderamento de quem as tiras, elas retratam a insegurança com a verdadeira auto imagem. A insegurança amplia a partir da familiaridade de uma versão “corrigida” da pessoa, e tal perseguição por essa imagem torna-se um vício. A ideia de que algo sempre pode “melhorar” com a “ajuda” dos filtros, encurta a linha entre a realidade e a fantasia, e traz, não só uma certa dependência de aperfeiçoar a aparência, como a depreciação dos traços reais e a busca por um só modelo do que é considerado belo.

Essa violência à pluralidade dos corpos e da beleza vêm de forma diluída, não agressiva e por vezes nem sequer percebida. Porque os filtros têm o intuito de brincar, são criativos, inócuos e buscam a diversão e a interação entre os usuários, mas a problemática nasce quando os filtros mais utilizados e vistos como “embelezadores” são os que alteram a fisionomia por uma aparência padronizada e pouco realista. Essa versão computadorizada – e a cara da Kylie Jenner – traz transtornos psicológicos e, em casos extremos, essa insatisfação ultrapassa do ecrã para o bisturi.

Uma pesquisa divulgada em 2017 pela Academia Americana de Cirurgia Plástica Facial e Reconstrutiva revela que 55% dos pacientes de menos de 30 anos realizaram cirurgias plásticas para ficarem melhor em selfies. No ano seguinte, um relatório da JAMA Facial Plastic Surgery concluiu que os filtros popularizados do Snapchat e Instagram podem desencadear transtornos dismórficos, onde as pessoas ficam obcecadas em defeitos imaginários. Chamada de “Dismorfia de ‘Selfie’ ou ‘Snapchat’” – termo cunhado pelo médico cosmético Tijion Esho, fundador das clínicas Esho em Londres e Newcastle –, o transtorno leva, sobretudo jovens e mulheres, à ansiedade e a depressão.

O que parece contraditório – e muito preocupante – é como que em um momento de tanto debate sobre medias sociais versus saúde mental e padrões inatingíveis versus amor próprio, estamos, novamente, em anulação e rejeição da nossa própria imagem ao utilizar, de maneira imprescindível, filtros do Instagram que modificam o rosto. Os filtros presentes em todas as fotos e o culto à beleza tão publicado e compartilhado – não só as selfies, como as rotinas de skincare e os procedimentos estéticos – me fazem pensar: por que precisamos sempre de melhorar a nossa aparência?

A busca narcísica infinita que compõe o mito da beleza buscado por grande parte das mulheres, embora tenha um intuito positivo de autocuidado e de elevar a autoestima, é um vórtex de insatisfação que não se finda. E atrás dessa perseguição há um cunho político. As obsessões com o físico e o pânico em envelhecer, incentivadas hoje em dia nas redes sociais, mas oriundas nas revistas e na televisão, movimentam a economia e fomentam a insegurança nas mulheres. No livro “O mito da beleza – Como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres”, a pesquisadora Naomi Wolf evidencia as obrigações estéticas como armas de controle social.

Escrito em 1991, o livro mostra-se atual ao comprovar a cobrança pela beleza em todas as esferas da vida de uma mulher – no trabalho, na cultura, no sexo e na religião –, e o quanto isto nos toma a energia, o protagonismo e o dinheiro. Isto é, há muito lucro quando as mulheres odeiam a si mesmas: desde a insegurança que as incapacitam à liderança, como a venda de produtos cosméticos, o lucro das cirurgias plásticas – que, no ano de 2017, movimentou cerca de 33 bilhões de dólares –, e a passividade em âmbitos profissionais e pessoais. Até as empresas das redes sociais e os seus anunciantes lucram, visto que a comprovação social e a busca de likes é o que faz a máquina girar.

Parafraseando Wolf, é importante estarmos atentas de que o retorno que se espera em relação à beleza adquirida através dos filtros no meio digital e os “embelezadores” da vida real, como a promessa de confiança, da sexualidade e do amor próprio, consiste em características que nada tem a ver com a beleza em si, pelo contrário. Esses atributos estarão realmente disponíveis às mulheres conforme o mito for sendo desfeito. Quando se separa a beleza da sexualidade e quando se festeja a individualidade das feições naturais, se tem acesso à autonomia e ao prazer do próprio corpo –  e o corpo feminino merece ser respeitado na sua integridade orgânica.

Temos o ganho de nos sentirmos mais bonitas – de maneira efémera, ilusória e superficial – com os filtros, mas será que somos nós quem realmente lucra com essa obsessão pela perfeição?

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