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Mundo Novo

Trabalhar no depois do adeus

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Vivemos numa fase de manifesta instabilidade que se alastra a todos os setores. A queda na produção provoca e provocará uma escandalosa redução no rendimento. Pura matemática simplificada. Causa-efeito. Produção-economia. A pandemia provocada pelo “bicho que mexe” está a devastar o sistema económico-financeiro depois de décadas de agravamento nas desigualdades sociais, realidade que continua a assoberbar os países desenvolvidos.

À luz das informações recolhidas pelo Eurostat, Portugal é um dos países onde mais trabalhadores têm vínculos precários, estando apenas atrás da Polónia e Espanha. Este cenário não é animador quando se estima um clima de instabilidade na produtividade de duração incerta. A áreas mais afetadas têm, naturalmente, salários brutos mais baixos. Segundo os dados do Ministério do Trabalho, os setores da construção, saúde e apoio social, hotelaria e restauração e atividades administrativas serão os mais afetados.

Partindo de uma seleção feita por Bruegel – grupo de investigação e pesquisa europeu sobre economia – pode-se afirmar que 45% dos trabalhadores por conta de outrem têm contratos a prazo ou a termo incerto, colocando-os numa posição mais frágil. Nos restantes ramos de atividade, a percentagem é de 28%, sendo, de um ponto de vista teórico, mais fácil manter o vínculo laboral.

Para além da vulnerabilidade dos vínculos laborais, o impacto da paralisação económica está a deixar milhares de pessoas sem liquidez para cumprir as suas obrigações com o banco. O Governo, o Banco de Portugal e a Associação Portuguesa de Bancos finalizaram um decreto-lei sobre moratórias no pagamento de prestações dos créditos de pessoas e pequenas e médias empresas, contudo, nem todos beneficiarão com isso. Uma outra consequência se ilumina: a resposta dos bancos à crise económica, anunciando mais uma injeção monetária na economia, fez cair ainda mais, as taxas de juros, que deverão protelar-se com sinal negativo.

O BPI, a título de exemplo (e bom!), lançou um pacote de medidas no valor de 220 milhões de euros para apoiar empresas cuja atividade se encontra afetada pelos efeitos económicos resultantes daquilo que já se sabe não ser um pássaro, nem um avião e nem, curiosamente, um salvador como muitos sustentam (pelo menos, não a par dos dados relativos ao setor económico). Já o Santander adotou um conjunto de novas medidas extraordinárias e temporárias para negócios. Para os comerciantes, a instituição bancária vai suspender a cobrança da mensalidade dos POS (um serviço que permite a aceitação de pagamentos com cartão nas lojas tradicionais e online) e isentar a aplicação de um valor mínimo sobre as transações efetuadas.

Por sua vez, o Montepio assumiu a duplicação conta ordenado, permitindo aos clientes a possibilidade de duplicarem o plafond da conta ordenado, além da condição normal do que se dispõe. Do mesmo modo, avançou com o aumento do limite do cartão de crédito. Dentro dos vários e multifacetados, o setor do turismo é o que mais alimenta o tigre esfomeado cujo rugir cria a força sonora da economia. Foi ele que mais cambaleou com esta pancada que se repercutiu no ritmo normal de trabalho. Ritmo esse que não apetece dançar.

A associação de Hotelaria de Portugal já tinha avançado projeções com caráter internacional, apontando que os hotéis iriam perder, no hiato temporal correspondente a quatro meses, cerca de 4,4 milhões de dormidas, o equivalente a receitas de 500 milhões de euros, num cenário de queda de 30% face a 2019.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho, estes impactos só podem ser suavizados caso seja adotada uma resposta coordenada a nível internacional, tal como ocorreu na crise financeira de 2008 e 2009. Quanto a esta realidade fragilizada, quebrada por impactos desastrosos, é necessário conciliar a resposta do Estado, em primeiro plano, e da banca, em segundo, para reerguer as entidades privadas. O Estado português consegue financiar as medidas a muito baixo custo, graças à ação do Banco Central Europeu, contudo, estas verbas acumulam as restantes dívidas.

A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) confirmou ter desenvolvido uma intervenção inspetiva na Casa da Música, respondendo a cinco pedidos formulados desde 26 de abril por trabalhadores da instituição, relativos às suas situações laborais. Encerrado a 16 de março, este edifício emblemático da cidade do Porto, assistiu, no final de abril, à manifestação de um conjunto de 92 profissionais, através de baixo-assinado, movidos pelo descontentamento perante as soluções propostas pela administração para o período de paralisação que considera “indignas”. Como resposta a esta revolta, foi decidido proporcionar aos músicos dos agrupamentos especializados e aos membros do Coro “uma remuneração de 75% da sua retribuição histórica, por cada espetáculo cancelado”.

         As alterações legislativas surgem galopantes e a forma como percecionamos o trabalho adaptar-se-á ao ritmo das novas necessidades. Independentemente do que nos distancia, todos precisamos de ver satisfeitas as mesmas necessidades que o corpo e a alma exigem ao ritmo que lhes convém.

A economia está a presenciar uma queda que, dado a natureza imprevisível em que se baseia, se prova manifestamente difícil de contrabalançar e fazer prever, por isso, os meios produtivos terão que acompanhar a luta, de cravos e máscaras a riste. O trabalho continua enquanto os trabalhadores saírem à rua, mesmo que digitalmente. Somos um: pela Economia, vinculação laboral e ouvidos inocentados dos que vivem na zona predial do José Malhoa.

 

Márcia Branco

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