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Artigo de Opinião

Vivemos Numa Sociedade

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O meu tio, que preza imensa o seu estilo, usa sempre pelo menos um anel em cada dedo. Tem também o hábito distraído de os ir trocando de uma mão para a outra. Quando ficou acamado num estado quase vegetativo, vítima de esclerose múltipla, esse hábito não desapareceu, mas precisava agora do auxílio da boca na troca dos anéis. Até que acidentalmente engoliu um.

O anel ficou alojado nas via respiratórias, e nas urgências do hospital os médicos tiveram a infeliz tarefa de explicar a situação ao parceiro do meu tio, havia apenas duas opções: operavam, mas no seu estado frágil seria muito improvável acordar da anestesia, ou deixavam o objeto estranho no corpo, mas com o tempo iria provocar a morte.

Ao ser confrontado com a situação em que se encontrava o seu companheiro de 20 anos, teve apenas uma questão para os médicos: “Há uns tempos ele perdeu o telemóvel, verifiquem se não o engoliu também”.

Eu fui criada numa família que, ao estar constantemente rodeada de tragédia, sempre me ensinou que rir é o melhor remédio, pelo que acredito que humor não tem limites.

Se eu escolho usar humor para lidar com os meus problemas, realmente penso que não cabe a ninguém ficar ofendido por mim, é a minha decisão fazer uma piada sobre algo que me afeta diretamente. Isso claro não significa que outra pessoa tenha o direito de se aproveitar da minha situação para fazer uma gracinha. Mas pode acontecer, e provavelmente só ficaria ofendida se a pessoa tivesse mais piada que eu, para isso sim é preciso ter lata, uma pessoa a lidar com tragédia pessoal e ainda descobre que nem é assim tão engraçada.

Mas mesmo sendo uma assumida adepta de humor negro, também é preciso entender que isso não se aplica a toda a gente, e mandar uma piada sobre seja que tema for num espaço publico, tem de ter a noção que pode não ser bem recebida. Quem gosta de brincar com assuntos sérios tem de estar preparado para todo o tipo de reação, e quem dá tem de saber levar também.

Mas claro que todas estas noções aplicam-se a humor, e nem tudo se classifica como tal.

Vejo cada vez mais esta tendência de cuspirem um comentário que é meramente ofensivo e tentarem justificar que é sátira ao serem chamados a atenção. Quando fazem um tweet racista, e vos acusam de ser racistas, não podem vir chorar que é uma piada e não temos sentido de humor. Por favor, expliquem-me o humor nesse comentário, isto é se a minha pequena capacidade de compreensão conseguir acompanhar o vosso intelecto, é que realmente é preciso um QI muito elevado para entender o vosso humor satírico e superior.

Ou admitem que são efetivamente racistas e queriam lançar a rede para verem quem o é também, ou assumem que sabem que espalhar ódio vos traz a atenção que estão tão desesperados por ter. Se calhar a vossa mãe não vos aconchegava à noite. Vai lá mostrar-lhe os teus 57 likes, pode ser que se encha de orgulho e comece a amar-te.

Nem vou entrar em como tais comentários disfarçados de humor reforçam estereótipos negativos e perpetuam a ideia que esse tipo de mentalidades é de algum modo aceitável.

Quando descobrirem que podem fazer piadas sobre raça, sexualidade, ou qualquer outro assunto sem ofender o grupo marginalizado em questão, mas sim aproveitando o humor para fazer uma critica válida à nossa sociedade, a vossa mente vai explodir.

Humor é algo que usado corretamente nos pode conferir tanto conforto, e é-me honestamente penoso vê-lo a ser usado como um instrumento para espalhar ódio e ignorância. Por isso meninos, riam, brinquem, façam piadas. Apenas não sejam o tipo de pessoa que tem de ser evitada no jantar de Natal, porque o humor não tem limites mas a minha paciência tem.

O meu tio faleceu o ano passado, e durante o funeral foram ditas piadas entre as lágrimas. Nunca encontraram o telemóvel.

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