Política
Os pilares do Pacto Ecológico Europeu que o Governo Português ignorou
A revista Science publicou uma carta de dois investigadores portugueses, intitulada Portugal’s airport plans threaten wetlands, na qual os autores pedem ao Governo Português e à União Europeia para abandonar o projeto de construção do Aeroporto do Montijo, por considerarem que este não cumpre os objetivos do Pacto Ecológico Europeu.
Segundo os autores – José Alves, investigador no Departamento de Biologia e no Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, e Maria Dias, coordenadora científica na organização BirdLife International -, a decisão do estado Português viola dois dos principais pilares do Pacto Ecológico Europeu: combater a mudança climática global e reverter a crise da biodiversidade. Destacam a incoerência da construção, sobretudo tendo em conta que Lisboa foi escolhida como Capital Verde Europeia. Uma das razões para a escolha do Montijo é a proximidade com a reserva do estuário do Tejo, apesar de o traçado agora proposto para as rotas dos aviões implicar voos a menos de 200 metros de altitude dentro da área protegida.
O Pacto Ecológico Europeu é uma “estratégia de crescimento que visa transformar a União Europeia numa sociedade equitativa e próspera, dotada de uma economia moderna, eficiente na utilização dos recursos e competitiva”. O plano foi divulgado em dezembro de 2019 e tem como objetivo as zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa e o “crescimento económico dissociado da utilização dos recursos” até 2050.
O documento chama a atenção, desde logo, para os perigos que a biodiversidade corre dada a atual situação climática: “Dos oito milhões de espécies que habitam o planeta, um milhão corre o risco de extinção”. Nesse sentido, o ponto 2.1.7 alerta para a necessidade de preservar e recuperar os ecossistemas. E é aqui que o projeto entra em contradição com as diretivas do plano. O estuário do Tejo, local planeado para a construção do novo aeroporto, é uma zona marcada pela diversidade ambiental.
Como refere a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, a importância do estuário para a biodiversidade estende-se muito além das fronteiras portuguesas: a zona está designada como Reserva Natural na lei portuguesa, Zona de Protecção Especial pela Directiva Aves da União Europeia, Zona Húmida de Importância Internacional pela Convenção de Ramsar e Área Importante para as Aves pela Birdlife Internacional. Por exemplo, bandos de até oitenta mil maçaricos-de-bico-direito que se reproduzem na Islândia e Holanda concentram-se no estuário todos os anos para se alimentarem e repousarem, no decurso da sua migração anual. Há ainda outra grande ameaça: uma das zonas mais afetadas por um nível da água acima da média em Portugal, nos próximos anos, poderá ser a zona da Reserva Natural do Estuário do Tejo.
Tal como refere a carta dos dois investigadores, a região é protegida por legislação nacional, diretivas da União Europeia e convenções internacionais, que chocam com a aprovação da licença ambiental. O parecer favorável condicionado à infra-estrutura aeroportuária obriga a medidas de minimização e compensação, e foi concedida no início deste ano. Para José Alves e Maria Dias, a construção vai provocar danos permanentes e irreversíveis nas espécies e na região.
Recuando um pouco no documento encontramos mais uma contradição. A construção de um segundo aeroporto em Lisboa vai aumentar exponencialmente as emissões de carbono. No entanto, o ponto 2.1.5, intitulado “Acelerar a transição para a mobilidade sustentável e inteligente”, apresenta como objetivo a redução de 90% das emissões de todos os transportes até 2050, proporcionando aos seus utilizadores alternativas “mais baratas, acessíveis, saudáveis e limpas”, de modo a alcançar a neutralidade carbónica.
No que toca especificamente aos transportes aéreos, um dos planos é adotar a proposta da Comissão de criar um Céu Único Europeu, reduzindo significativamente as emissões deste meio de transporte e também as licenças de emissão atribuídas, a custo zero, às companhias aéreas. Outro dos focos deste ponto aponta para o melhoramento da qualidade do ar na proximidade dos aeroportos.
É de recordar que a Comissão Europeia abriu, em abril, uma investigação a eventuais infrações às diretivas Aves e Habitats por parte de Portugal no caso do Aeroporto do Montijo. O processo ainda está a decorrer.
Artigo da autoria de João Paulo Amorim. Revisto por José Milheiro e Marco Matos.