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Devaneios

Tenho frio

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Sento-me. A aragem fria atravessa o meu corpo. Olho para baixo e miro as quatro faixas que compõem a autoestrada. Vislumbro dois prédios verdes, à direita, a uma distância considerável: um de sete andares e o outro com seis andares que se dobra numa esquina – milagre da engenharia. O sol já se pôs, a luz provém dos inúmeros lampiões seguidos em ambos os lados da autoestrada. As nuvens começam a formar-se. O odor do monóxido de carbono dos automóveis e o ruído dos mesmos entrelaçam-se e são a constante do ambiente a meu redor.

Olho para trás: carros aceleram, apressados. Coloco as minhas mãos na grade azul e gélida que protege os peões de caírem da ponte de onde me encontro. O meu peito bate intensamente. Todavia, o som dos ramos das árvores a moverem-se, por causa do vento, tranquiliza-me.

Volto a fitar a estrada em baixo. Está escuro. Está trânsito. A autoestrada apresenta agora duas cores que se movem, ora de forma contínua, ora pausadamente: nas duas faixas da minha esquerda, a cor branca das luzes da frente dos automóveis; nas duas faixas da minha direita, a cor vermelha das luzes traseiras dos veículos.

Levanto-me. Talvez noutro dia ganho coragem para efetuar o que realmente vim cá fazer. Por agora, vou voltar para o prédio verde de sete andares e dactilografar o que vislumbrei aqui. Um longo caminho de macadame estende-se à minha frente e separa-me de casa. Tenho frio.

 

Miguel Barbosa

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