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Crónica

Livin’ la vida l…astimosa

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É triste, mas é verdade: 2020 existiu. Este foi o ano em que a euforia do novo século acabou. A festa deu-se por terminada. O mundo globalizado deu lugar a um mundo confinado, em que todos estamos mais distantes. Dei por mim a pensar que este foi, provavelmente, o ano mais silencioso da minha vida e foi precisamente entre o silêncio da noite que os sentimentos afloraram e despertaram toda a angústia e melancolia que a pandemia aos poucos foi deixando em mim.

No início de março, naquele tempo longínquo em que o afeto era mais do que palavras, Elisa cantava no Festival da Canção para perguntarmos ao tempo – ele sabia tudo sobre si. Fiz isso. Quis saber se ele também sabia algo sobre mim. A resposta? Pois essa aleijou mais do que aquilo que confortou… É que num ano de tantas mudanças, tudo parece traduzir-se em perdas, tudo acentua a solidão a apenas deixa connosco uma lástima profunda que quer recuperar o velho normal.

As televisões e as rádios repetem em uníssono que não estamos sozinhos, mas já diz a sabedoria popular que quantidade não é qualidade. Se antes a disponibilidade que tínhamos para parar e ouvir já era pouca, agora é nula. A impessoalidade apodera-se a cada dia que passa das relações interpessoais e a distância, apesar de muitos pregarem que não existe com as ferramentas online ao nosso dispor, é como um rifte que aos poucos nos vai afastando. Falta o carinho, falta o cuidado, falta a atenção, faltam aqueles que nos faziam companhia e ajudavam a esquecer a tristeza do mundo que nos rodeia. Restam-nos agora os estranhos que são a companhia devota do dia a dia e a quem deve ser feito o merecido agradecimento, não fosse o seu silêncio a única brisa quente capaz de aconchegar o coração nos dias de hoje.

Tudo isto leva a que a saúde mental de todos nós não esteja, de facto, nos seus melhores dias. Se no passado este já era um problema, então agora parece exceder alguns extremos. Em Portugal, segundo dados de 2019, existe um suicídio a cada quarenta segundos, sendo que entre os mais jovens, esta é a segunda maior causa de morte, apenas atrás dos acidentes rodoviários. E o que é que fazemos para isto prevenir? Nada.
A área da psicologia é a “ovelha-negra” do Sistema Nacional de Saúde, existindo um rácio inferior a 2,5 profissionais por 100 mil habitantes. O próprio povo português ainda olha com desdém para aqueles que recorrem a psicólogos. Aliás, muitos têm vergonha de o fazer, preferindo acumular a amargura dentro de si – algo que os portugueses devem ter ido beber aos costumes dos seus tão bons aliados britânicos.

Oh quão desgraçado é este fado português, que tal como a Dulce Pontes dizia, chora a tristeza bem! Deixamos a nossa saúde mental ao desbarato, mas “louquinhos” é que não somos. A solidão de um ano silencioso que suba pelas veias acima e nos atormente. Cante-se a angústia e ansiedade para todos os cantos do mundo. Para quê ajuda? Na verdade, o que não mata engorda. Ou será que mata? Não sei, talvez o louco aqui seja eu…

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