Crónica
Confinamento: medidas ténues ou população anestesiada?
Estamos a 20 de janeiro, dia de duplo recorde no covidiário, 219 mortos (o equivalente ao despenhamento de um avião A320) e 14 647 infetados, poderá o balanço de amanhã piorar? Infelizmente, tudo indica que sim!
Um acumular de cansaço, frustração e incredulidade pairam sobre cada um de nós quando tentamos assimilar estes números.
Observo o movimento e o trânsito lá fora, ninguém diria que Portugal está a atravessar o segundo confinamento geral.
Passeios higiénicos em massa à beira mar, narizes a “espreitar” por cima das máscaras, pessoas com trelas sem cão em Cascais, transportes públicos sobrelotados, campanhas eleitorais em ação pelas estradas de norte a sul, 170 pessoas num jantar-comício de André Ventura…
Estamos ainda inebriados pelo otimismo e esperança suscitados pelo início da campanha de vacinação e pelo término de um ano que ficará marcado na história da medicina pelas piores razões, mas também um ano de declínio da economia, de vidas paralisadas e da quase extinção de empregos em várias áreas da atividade económica. Quisemos acreditar que tudo não passaria de uma terrível recordação em 2021, mesmo sabendo que a transmissão vírica nunca estagnara e que não podíamos assumir nada como garantido ou controlado.
Ao invés da tendência europeia, Portugal não definiu um limite de pessoas para as celebrações de Natal, uma atitude que, correta ou não, representou um voto de confiança nos portugueses – foi a verdadeira prova de fogo – e estes definitivamente não estiveram à altura.
Não se pode alterar o passado, mas está ao nosso alcance modificar este cenário catastrófico, que se prolongará a não ser que recuperemos a união e resiliência que marcaram o segundo trimestre de 2020. Só dessa forma provaremos que a nossa consciência cívica, responsabilidade e altruísmo são dignos do mais pequeno voto de confiança.
Estávamos em 19 de março, início do primeiro confinamento geral, dia em que se registaram 785 casos de COVID-19, o pânico e medo do desconhecido eram gerais. Não sabíamos como viver a partir de casa, como vislumbrar a realidade e os entes queridos apenas a partir de ecrãs. Contudo, o receio de sair de casa era avassalador, não ousávamos questionar, tão-pouco violar, o estado de emergência. Nesses meses, a média de pessoas que ficaram em casa rondou os 61%.
Atualmente estamos com um número de infetados sensivelmente 12 vezes superior, proporções infinitamente mais alarmantes, uma avalanche de doentes internados nos hospitais, que esgotam cada vez mais a sua capacidade, aproximando-os da rutura. Em contrapartida, a percentagem de portugueses confinados neste segundo lockdown ronda os 39%, segundo dados do PÚBLICO.
É verdade que as exceções ao confinamento são hoje em maior número. O encerramento ou não das escolas tem gerado enorme celeuma. Será mera coincidência esta resistência do Primeiro-Ministro em reduzir as exceções a poucos dias das eleições presidenciais, ou manter as escolas abertas será uma decisão política premeditada? Para adensar mais esta dúvida, verifica-se um atraso na entrega dos kits informáticos aos alunos que beneficiam da ação social.
Deixou-se o tempo passar, a situação pandémica agravar-se e o Governo isentou-se de preparar um sistema de eleições adaptado a tempos de pandemia. Esta inércia conduziu às longas filas de espera no dia de voto antecipado, uma pequena amostra do que se passará no dia D, que poderá contribuir para aumentar as taxas de abstenção para níveis nunca registados.
Mediante o descontrolo da pandemia, uma grande parte da população, anestesiada face à realidade e assombrada pelas consequências que um novo confinamento acarretará para as suas vidas, focou-se nas exceções, em vez de interiorizar o rigor das regras e toda a seriedade nelas implícita.
Último dia de pré-confinamento, numa viagem de metro de regresso a casa, ouço o comentário de uma esteticista sobre a sua preocupação com os dias vindouros. Afirmava-se nada assustada com o encerramento do estabelecimento, o conhecimento popular dizia-lhe que se trabalhou de maio a janeiro sem ser infetada, não tinha agora maior risco de o vir a ser, pelo que colocava seriamente a hipótese de continuar a atender as suas clientes no domicílio.
Durante este último ano, sofremos um processo de habituação, a nível social e emocional, não só introduzimos o covidioma no nosso vocabulário, como criamos uma redoma à nossa volta que faz com que certas notícias sejam encaradas com indiferença.
Da próxima vez que sentirmos a necessidade de sair de casa, ponderemos a essencialidade e imperatividade da saída. Sejamos racionais, não generalizemos! Juntos seremos mais fortes que o efeito da fadiga pandémica sobre nós! Ao transgredir, não só colocamos em risco a nossa vida como a dos outros, bem como contribuímos para o estrangulamento do SNS. Só protegendo-te, proteges os outros! Não o tomes como um clichê, fica em casa!
Mariana Batista