Ciência e Saúde
Estudo expõe dificuldades da carreira científica em Portugal
O número de cientistas tem aumentado significativamente em Portugal e têm ocorrido várias mudanças ao nível da organização, da prática e da cultura científicas. Contudo, não havia trabalhos recentes de caracterização dos trabalhadores científicos, nem das suas vivências enquanto trabalhadores precários. Como tal, surgiu o mote para o “Estudo sobre Precariedade na Investigação”, cuja autora – Ana Ferreira – é membro do Departamento de Ensino Superior e Investigação da FENPROF.
Desde o início de dezembro de 2019 até ao final de fevereiro de 2020, o estudo realizou-se sob a forma de questionário online. Os objetivos incluiram caracterizar os trabalhadores científicos portugueses, as atividades que desenvolvem e o modo como a situação precária em que vivem afeta o seu trabalho.
Esta situação precária caracteriza-se por alterações constantes entre contratos, bolsas, vínculos pontuais e esporádicos e períodos não remunerados (por vezes, longos). Para além disso, existe uma forte dependência em relação à família, que precisa de apoiar financeiramente os períodos em que os investigadores não recebem salário ou bolsa.
Um ponto importante de realçar é que os investigadores, ao fim do contrato a termo ou da bolsa, não têm direito a receber subsídio de desemprego, nem têm proteção na doença. Se se tratar de investigadoras, acresce que o seu desejo de serem mães pode não se concretizar devido à instabilidade da carreira que escolheram.
Obtiveram-se, deste estudo, 2726 respostas válidas que foram analisadas qualitativa e quantitativamente. De uma forma geral, 63% dos inquiridos são mulheres, a idade média é de 38 anos e 46% têm filhos.
Os inquiridos foram divididos em quatro categorias: investigadores com contrato a termo, investigadores doutorados com bolsa, investigadores sem remuneração e investigadores de doutoramento com bolsa. Os investigadores das diferentes categorias partilham muitos dos resultados: todos têm muita paixão pelo trabalho que desenvolvem, porém, as condições precárias não lhes permitem vislumbrar um futuro em que seja possível constituir família, ter um projeto de vida.
Outro elemento comum identificado pelo estudo evidencia que muitos cientistas têm sinais de depressão e exaustão. Isto acontece porque trabalham muitas horas, publicam bastantes artigos científicos sem o devido reconhecimento por parte das instituições que os acolhem, nem dos seus superiores, e têm constantemente de concorrer a bolsas e projetos para assegurarem que têm trabalho, o que causa muita ansiedade e frustração.
Em suma, este estudo revela que a instabilidade na carreira de investigação é grande devido à falta de financiamento constante e de apoio das instituições de acolhimento. A isto ainda acresce a forte pressão para publicar artigos, que afeta negativamente a qualidade do trabalho dos cientistas.
Texto por Margarida Vilaça.