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Cultura

Daniel Santos: Fazer da câmara o microscópio

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O que surgiu primeiro: o olhar atento para o mundo ou a paixão pela fotografia?

Quando era criança, o meu sonho era fazer documentários sobre a vida selvagem. Mais tarde, percebi que a forma mais fácil de chegar a esse objetivo seria estudar biologia. E assim o fiz, tirei a licenciatura e o mestrado na área e durante o primeiro ano da licenciatura descobri a fotografia. Inicialmente, a fotografia não surgiu de forma artística, fotografava para registo das espécies, para aprender, até que foi evoluindo para algo mais artístico. Agora não coleciono espécies fotografadas, o que me interessa é documentar o comportamento dessa espécie e fazer algo bonito.

A natureza aprende-se tocando nela?

Sim, quem vai para a faculdade a pensar que vai aprender a lidar com animais está enganado, porque o que se aprende é teoria e de prática não existe quase nada. Se queres mesmo aprender a identificar animais tens que fazer por ti, porque na faculdade ninguém te ensina a fazer isso. Aprendem-se as bases de ecologia e depois se quisermos ir além temos que ser autodidatas. Eu fi-lo porque sempre foi um gosto meu. A fotografia era um auxílio de aprendizagem para descobrir mais sobre as espécies e foi evoluindo para algo mais sério.

Qual o impacto desta ponte entre a arte e a ciência?

A arte pode ser muito importante na ciência. Aliás, na conservação da natureza é essencial porque através da fotografia conseguem-se mudar opiniões, ajudas que de outra forma não se conseguiriam a nível financeiro e alterar certas coisas que possam estar erradas a nível legislativo, como já aconteceu. Em África houve um parque nacional criado às custas do trabalho de um fotógrafo, por exemplo.

Que percursos fazes para obter as fotografias das espécies que queres?

Normalmente, quando faço trilhos não vou muito à procura de fotografar espécies. Primeiro, porque à partida não conheço o sítio e é muito difícil encontrares uma espécie à primeira se não conheces o local e não sabes onde ocorrem. Por isso, quando faço essas caminhadas maiores é para explorar o local, tentar perceber as condições que lá existem, o habitat e os animais. Depois, mais tarde, volto lá de forma a que não tenha que fazer um percurso tão grande, consiga chegar mais cedo e estar mais horas no local.

Nós não conseguimos controlar os comportamentos dos animais, podemos estar num sítio durante horas e ele passar ao nosso lado a 100 metros de distância e não repararmos nele, por isso, temos mesmo de estar no local certo.

Por este motivo, é muito importante essa preparação à priori para conseguirmos aumentar as probabilidades de encontrar as espécies que queremos fotografar.

Quais os maiores desafios de fotografar animais?

A paciência. Estar preparado para passar meses sem conseguirmos aquilo que procuramos, a resiliência. A parte difícil é ter de esperar horas e horas e muitas vezes não conseguir nada, por vezes semanas, meses e anos. Por vezes o frio ou calor, mas principalmente a paciência. De um momento para o outro podemos ter que alterar os planos por causa do tempo ou outro qualquer motivo.

Já tiveste fotos tuas publicadas?

Sim. Em Portugal tive no “Parques e Vida Selvagem” que é a revista do Parque Biológico e na “Wilder” que é um blogue/jornal online sobre a biodiversidade portuguesa. A nível internacional já estive na “Photography Life” que é um blogue internacional de fotografia em geral.

O mundo natural continua a surpreender-te a cada flash?

Claro que sim. Há ainda tantas espécies em Portugal que eu ainda quero fotografar e até ver, comportamentos de espécies que eu achava que conhecia bem e depois me surpreendem, encontros que tenho com certos animais que são inesperados e que se mantém à minha frente sem qualquer medo, isso é sempre especial. Para mim é fascinante poder experienciar esses momentos. A lente da câmara permite-me ver o mundo de uma forma diferente porque faz-me olhar para as coisas de maneira diferente, faz-me procurar ângulos para conseguir composições também mais interessantes e ao mesmo tempo faz-me reparar em pormenores que alguns animais ou paisagens possam ter que de outra forma não iria reparar. Para além de me ajudar a exprimir artisticamente, também me ajuda a crescer o meu lado de biólogo.

Tens como objetivo sensibilizar as pessoas através do teu trabalho?

Sim, esse é o meu principal objetivo, conseguir alertar para os problemas que existem ao nível da conservação da biodiversidade em Portugal. Eu tento construir histórias a partir disso, agora estou a construir uma sobre a salamandra lusitana. Estou a tentar acompanhar uma população durante o ano, documentar todo esse processo e depois quero publicar essa história em algum sítio para mostrar que temos um animal muito importante que um dia pode desparecer. Para além disso, tenho um blogue ligado à conservação da natureza onde tenho também informação sobre cada uma das espécies em particular de modo a que as pessoas consigam identificar os animais e se dediquem a isso.

Artigo da autoria de Márcia Branco