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Ciência e Saúde

Síndrome Pós-COVID-19: Quando os sintomas permanecem após um teste negativo

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A batalha contra a COVID-19 pode não terminar com um teste negativo. A long COVID-19 ou Síndrome pós-COVID-19 é definida como a “persistência de sinais e sintomas que se desenvolvem durante ou após uma infeção por SARS-CoV-2 e que continuam por mais de 6-12 semanas”.

Um estudo espanhol, publicado em janeiro deste ano e que contou com a participação de 277 doentes adultos, apontava para uma persistência dos sintomas em cerca de 51% dos pacientes incluídos no estudo.

Adicionalmente, um estudo inglês foi realizado nesta matéria, abrangendo mais de 47 mil doentes admitidos em hospitais do serviço nacional de saúde e que tiveram alta até 31 de agosto de 2020. O estudo concluiu que a probabilidade de um doente com Síndrome pós-COVID morrer, ser readmitido em serviços de saúde ou apresentar sequelas em diversos órgãos é significativamente maior para indivíduos com 70 ou mais anos (comparativamente ao grupo com menos de 70 anos) e para indivíduos brancos (comparativamente aos restantes grupos étnicos).

No entanto, quando a comparação é efetuada com a população em geral, o risco para o desenvolvimento de Síndrome pós-COVID revelou-se superior para pacientes mais jovens, geralmente assintomáticos durante o período de infeção, e indivíduos de minorias étnicas.

Para melhor compreender as dificuldades de quem enfrenta a Síndrome pós-COVID em Portugal, o JUP entrevistou uma jovem de 26 anos que se disponibilizou a relatar a sua experiência.

Quais os sintomas que te levaram a fazer o teste para confirmares a infeção com a COVID-19?

Eu perdi o olfato e o paladar, mas, felizmente, foi só por 4 dias. Foi assim que percebi que deveria estar infetada com a COVID-19.

Neste período pós-infeção reparaste no agravamento de alguma situação clínica que já tinhas antes?

A ansiedade, por exemplo, piorou muito. Eu já fui diagnosticada com ansiedade há vários anos, mas estava controlada. Desde que tive COVID que passou a ser muito mais difícil controlar os sintomas e os ataques de ansiedade. De vez em quando, ainda sinto palpitações e uma sensação de aperto no peito como se alguém me estivesse a apertar o coração com a mão.

Sentes que algum dos sintomas que experienciaste limitou o teu dia a dia?

A dificuldade respiratória, sem dúvida. Começou enquanto estive infetada com a COVID-19, e ainda agora a sinto. Limita-me não só na prática de exercício físico, mas também nas tarefas do dia a dia.

Eu, nos primeiros tempos, nem queria comer porque, além de ter perdido o apetite, ficava exageradamente cansada a comer: punha uma garfada à boca e tinha de esperar uns minutos para conseguir pôr a segunda, o que não dava de todo vontade de comer. A simples tarefa de sair da cama, só para ir à cozinha ou à casa de banho, já me deixava cansada nos primeiros tempos. Depois melhorou, mas, mesmo assim, ainda tenho bastantes dificuldades.

“A simples tarefa de sair da cama, só para ir à cozinha ou à casa de banho, já me deixava cansada nos primeiros tempos.”

Estás a ser acompanhada por algum especialista de modo a fazer uma reabilitação pós-COVID?

Ontem fui ao osteopata porque a nível muscular fiquei bastante afetada. Sinto uma enorme tensão nas costas o tempo todo e a escoliose, que já tinha, agravou-se. O osteopata descobriu que fiquei com o diafragma e os músculos intercostais encurtados, o que significa que preciso de fazer exercícios de reabilitação respiratória para voltar a respirar da mesma forma.

Se tivesses de indicar qual o sintoma que mais te afeta diariamente, qual escolherias?

Acho que aquilo que realmente me afeta mais, para além da dificuldade respiratória, é o facto de ter passado a dormir muito pior. Aquelas noites que adormeces e acordas de manhã realmente com a sensação que descansaste não voltaram a acontecer e, para além disso, acordo várias vezes durante a noite. Claro que não descansar bem tem um grande impacto no meu dia a dia. Não consigo raciocinar da mesma forma, palavras simples às vezes faltam-me, aliás, sinto que a falar tenho necessidade de parar muito mais vezes para pensar e formular as frases, e isso sim é o que mais me incomoda.

“Acho que aquilo que realmente me afeta mais, para além da dificuldade respiratória, é o facto de ter passado a dormir muito pior.”

Tiveste de te adaptar, de alguma forma, para conseguires continuar a realizar o teu trabalho da melhor maneira?

Passei a utilizar muito mais a agenda, porque se tornaram difíceis as tarefas que antes para mim eram fáceis. Por exemplo, eu decorava facilmente tudo aquilo que tinha de fazer durante a semana e agora nem por isso. Tenho realmente de me apoiar mais no papel e nos calendários.

E a nível social, sentes que o teu relacionamento com os outros ficou de alguma forma “diferente”?

Senti que nos primeiros tempos passei pela chamada “fobia social”: foi difícil sair de casa, voltar a ir às compras, voltar a estar num sítio onde estavam pessoas à minha volta, mesmo existindo distância e estando toda a gente com máscara. É um gatilho fácil para a ansiedade e eu, sendo uma pessoa tão sociável e que adora pessoas, nunca pensei que tal coisa me fosse acontecer. Mas confesso que nos primeiros tempos realmente custava muito e agora estou a aprender a lidar aos poucos [com a situação].

Eu trabalho com 20 crianças dentro de uma sala, por muito que a sala seja arejada e grande, ainda continua a fazer-me impressão cada vez que lá entro, e estou lá todos os dias. Dou um passo de cada vez, há ainda um longo caminho a percorrer e quem me dera que não me tivesse afetado tanto e que mais ninguém tivesse passado por isto.

“Quero reforçar que isto não é de todo fácil e quem acha que a COVID-19 é uma gripe normal, não tem mesmo consciência da sua repercussão e dos danos que causa.”

Qual é a mensagem que queres deixar aos portugueses, baseada nesta experiência e nas dificuldades que tens vindo a atravessar desde que estiveste infetada?

Quero reforçar que isto não é de todo fácil e quem acha que a COVID-19 é uma gripe normal, não tem mesmo consciência da sua repercussão e dos danos que causa. Isto porque o meu medo nunca foi a COVID em si. O meu medo não surgiu durante os dias em que estive positiva.  O meu receio foi com o que veio a seguir, pois tinha noção que realmente poderiam surgir consequências graves.

Espero que as pessoas mais céticas comecem a ganhar mais consciência, uma vez que já estamos nisto há mais de um ano, e passem a olhar para a COVID de outra forma, adotando mais cuidados e percebendo que isto não é mesmo brincadeira nenhuma.

Quais são os sintomas?

A síndrome Pós-COVID inclui sintomas persistentes que se podem relacionar com um processo inflamatório crónico como resposta à infeção aguda (fase de convalescença). Provoca sequelas em diversos órgãos, particularmente nos rins, nos pulmões e no coração, como consequência da hospitalização ou ventilação prolongada, aliada a carências nutricionais e à imobilidade ou, até, como efeito acumulado de doenças preexistentes.

Os sintomas frequentemente reportados pelos doentes englobam fadiga e fraqueza muscular, dores articulares, palpitações, dificuldades respiratórias, stress pós-traumático e, ainda, diminuição da concentração e memória. Vários pacientes apresentam um notório declínio psicológico e instabilidade emocional, com distúrbios no ciclo de sono e uma progressiva apatia, sintomas com um impacto significativo na sua qualidade de vida.

Um artigo científico da Nature enumera os seguintes sintomas:

  • Generalizados: fadiga; falta de energia e cansaço, com diminuição da capacidade de realização de exercício físico;
  • Respiratórios: dificuldade respiratória; tosse; necessidade persistente de oxigénio (hipoxia);
  • Cardiovasculares: dor/aperto no peito; palpitações;
  • Neurológicos: diminuição da capacidade de concentração; problemas de memória; dores de cabeça; distúrbios do sono; perda de olfato/paladar;
  • Gastrointestinais: dor abdominal; náuseas; vómitos; diarreia; perda de apetite;
  • Musculoesqueléticos: dor articular; dor e fraqueza muscular;
  • Psicológicos/Psiquiátricos: sintomas de depressão ou ansiedade; stress pós-traumático; apatia; e
  • Dermatológicos: perda de cabelo.

O mais curioso é que muitos destes doentes com sintomas respiratórios persistentes, apresentam exames de função (espirometria) e de imagem (tomografia) completamente normais.

É de salientar que, entre os estudos existentes que se focam nesta temática, há variações significativas nos resultados obtidos, nomeadamente no que refere à incidência e prevalência de sintomas ou de órgãos afetados. Este facto deve-se, essencialmente, às diferenças nas populações em estudo, aos métodos de recrutamento, aos períodos de acompanhamento dos doentes e ao tamanho das amostras.

O que devo fazer?

Caso apresentes algum dos sintomas acima referidos, as autoridades de saúde portuguesas recomendam o contacto com o médico de família para que este efetue uma avaliação e um acompanhamento dos mesmos e proporcione uma monitorização contínua. Se necessário, é este o médico que efetuará uma referenciação adequada e célere a outra especialidade na eventualidade de agravamento de sintomas, suspeita de doença grave ou necessidade de abordagem multidisciplinar.

Dada a escala global desta pandemia, prevê-se que as necessidades de cuidados de saúde para pacientes com complicações associadas à COVID-19 continuem a aumentar no futuro próximo. Enfrentar este desafio implicará o uso das infraestruturas de cuidados em ambulatório existentes e uma maior interdisciplinaridade entre os diferentes profissionais de saúde e especialidades médicas.

Apesar da Síndrome pós-COVID ser um fenómeno recente, ainda algo desconhecido, estão já disponíveis no nosso país, não só uma série de abordagens terapêuticas e farmacológicas, mas também uma rede de infraestruturas para apoio psicológico e reabilitação motora e respiratória de sobreviventes da COVID-19. Desta forma, com o esforço integrado e multidisciplinar é possível melhorar o prognóstico e a qualidade de vida dos doentes.

 

Texto por Filipa Sousa. Revisto por Eva Pinto, Maria Teresa Martins e Mariana Miranda.