Cultura
Festival Eurovisão da Canção 2021: Numa das finais mais renhidas de sempre, Itália vence e o Rock triunfa
As expectativas estavam em alta em Roterdão, logo ao abrir da cerimónia da Grande Final do Festival Eurovisão, Aquela que prometia ser uma das Finais mais renhidas de sempre, também foi marcada por um dos desfiles de canções mais variados de que há memória. Para um concurso que pauta, usualmente, pelo pop pomposo, pelas vozes épicas e pelos espetáculos mais mirabolantes em palco, rapidamente se percebeu o quão ímpar seria a edição deste ano.
O espetáculo abriu com “El Diablo” do Chipre, que pisca o olho (mais do que uma vez) ao êxito de 2018 “Fuego” de Eleni Foureira, que conquistou o 2º lugar no certame, mas que cumpre a sua missão: a pista de dança está aberta, os mais conservadores estão ofendidos e o Chipre cimentou o seu lugar como o mais consistente “servente” de dance pop do Festival.
Seguem-se as atuações da Albânia, Israel e Bélgica. Da intensidade, à melhor whistle note da história do festival, à qualidade de veteranos, passamos três canções sem grande chance de lutar pela vitória, mas que marcam bons momentos no alinhamento.
A Ahoy Arena volta a “incendiar-se” com a atuação enérgica e interventiva de Manizha, representante da Rússia, com “Russian Woman” e de seguida entra em palco, uma das favoritas à vitória, Destiny da Malta, com “Je Me Casse”. Um vozeirão sem fim? Check. Um refrão orelhudo? Check. Uma mensagem de empoderamento? Check. Indubitavelmente uma das grandes candidatas à vitória no final da noite.
É então altura de Portugal entrar em palco para uma das mais competentes performances do serão. The Black Mamba, com toda a classe, servem “Love is on my side” demonstram mais uma vez o porquê de terem sido a escolha certa para representar o país na Eurovisão e, com um dos melhores stagings portugueses de sempre, justificam a sua subida íngreme nas casas de apostas. A qualidade tem um nome, e este ano, ainda que se seja portuguesa escreveu-se em inglês. E não houve problema nenhum nisso.
Segue-se uma performance tempestuosa da Sérvia com o trio Hurricane, a atuação fraquíssima do Reino Unido e, apesar da voz competente de Stefania, um dos stagings que menos funcionou no Festival. A Grécia e “Last Dance” ficarão bem qualificados de qualquer forma, mas certamente não se deverá aos “homens-invisíveis-muito-pouco-invisíveis” que, infelizmente, vemos demasiado bem.
Chegam então, de rajada, dois dos momentos mais impressionantes da noite: em primeiro Gjon’s Tears, representante da Suíça, volta a provar (como se fosse preciso) com a sua voz do tamanho do universo o porquê de ser dos favoritos à vitória com “Tout l’univers”. Em seguida, revemos a atuação gravada da Islândia com “10 Years” (que não pôde atuar devido a um dos elementos da banda ter testado positivo à Covid-19) cheia de cor, de personalidade e com o seu quê de kitsch que é tão bem-vindo à Eurovisão.
De seguida apresenta-se uma prestação morna de Espanha com “Voy a Quedarme”, o dance-pop sem riscos da Moldávia com “SUGAR” e a atuação mais ridícula da noite por parte da Alemanha com “I Don’t Feel Hate”.
E a esta trilogia muito pouco impressionante, segue-se uma de três favoritos ao top 10. Ao rock enérgico e caótico de Blind Channel em representação da Finlândia com “Dark Side”, segue-se a emoção cristalina de Victoria e “Growing up is getting old”, da Bulgária e momento de dança contagiante dos The Roop da Lituânia com “Discoteque”.
Seria, no entanto, com “Shum” dos Go_A a representar a Ucrânia que teríamos o episódio mais inesperadamente dançável. Pela TV conseguimos perceber o frenesim coletivo em que entra a Arena enquanto os Go_A atuam. Ninguém sabe bem o que se passa, mas também não importa. E nisto, a Ucrânia torna-se um dos favoritos à vitória sem ninguém reparar.
E no fim da tempestade, a calma. Barbara Pravi serve, com o coração nas cordas vocais, “Voilà”, uma canção que, de forma nenhuma poderá ficar fora do top 3. Sem dúvida a melhor atuação francesa dos, pelo menos, últimos 20 anos. Bravo.
Depois, voltamos a dar um check nos números dançáveis com “Mata Hari” (Azerbeijão), nas baladas cliché com “Fallen Angel” (Noruega) e em mais um qualificado automático que desperdiça o lugar com uma proposta medíocre com os Países Baixos e “Birth of a New Age”.
O estádio volta a “vir abaixo” com “Zitti e buoni” dos Måneskin, proposta da Itália e apercebemo-nos que o rock eurovisivo está com melhor saúde do que nunca. Há imediatismo pop casado com a intensidade rock e uma perfeição técnica ímpar que elevam a performance da Itália a um patamar ao qual poucas canções chegaram na Grande Final.
A fechar o alinhamento, segue-se a canção “Voices” de Tusse, em representação da Suécia e, por fim, “Adrenalina” de Senhit com o rapper Flo-rida, aquela que prometia ser a melhor proposta de San Marino da História.
Terminadas as canções houve ainda tempo para pequenas atuações de passados vencedores da Eurovisão, a demonstração do novo tema de Duncan Laurence e os clássicos “recaps” das canções a concurso. Acabado o tempo de votação, seguiram-se os resultados.
Ainda que a Suíça conquistasse o voto do júri, o voto massivo por parte do público fez com que fosse a Itália a levar o troféu ao final da noite. Das maiores surpresas salienta-se o facto de quatro países terem recebido zero pontos por parte do público (Alemanha, Países Baixos, Espanha e Reino Unido), o facto deste mesmo público ter votado em peso em canções “menos pop” como a vencedora, “Shum” da Ucrânia e “Dark Side” da Finlândia, e de ter dado menos atenção a supostos favoritos como “Je Me Casse” da Malta, “El Diablo” do Chipre e “Adrenalina” de San Marino. Ao final das contas, Portugal, apesar de um sétimo lugar por parte do Júri, ficou em 12º lugar na tabela final.
Sem descurar as marcas que fazem da Eurovisão, a Eurovisão, acrescentaram-se este ano ingredientes não muito comuns à fórmula: mais do que uma canção rock, fusões de tradicionalismo e instrumentais eletrónicos, revivalismo de canções que caberiam facilmente em edições dos anos 60 e participações de rappers mundialmente famosos. Ao abrir da década, a edição de 2021 mostrou, mais do que nunca, que já não há “canções de eurovisão” e que há espaço para tudo o que queira caber.
Os Måneskin voltaram ao palco para interpretar de novo “Zitti e buoni” enquanto grandes vencedores do Festival Eurovisão da Canção 2021, marcando a primeira vez desde 2010 que um dos “Big Five” vence o concurso.