Artigo de Opinião
Reflexão sobre a polarização política
O problema
Nos últimos anos (para alguns especialistas, duas a três décadas), o mundo livre tem assistido a uma alucinante polarização do seu espectro político – mais visível na crescente popularidade de partidos e políticos extremistas e populistas -, mas também da própria sociedade – claro, dois mais dois igual a quatro -, como se verifica, por exemplo, pelas amizades de uma vida que são destruídas por crenças políticas diferentes (nem digo “opostas”).
Desde 2019, Portugal está igualmente fora do “exclusivo clube” de países europeus sem extrema-direita representada no Parlamento nacional (embora o partido em questão não o seja propriamente, mas isso proporcionaria conteúdo para outro texto). Daí em diante, e com a “culpa” das redes sociais desreguladas, de políticas – em especial de cariz neoliberal – que destroem a classe média, empobrecem os mais pobres e enriquecem os mais ricos, e da comunicação social que, hoje, sobrevive à custa do espetáculo do clickbait, o tal partido – e especialmente o seu líder, um antigo comentador desportivo – cresceu em visibilidade e popularidade (e a sua candidatura às Presidenciais só serviu para poder ter cobertura mediática igual a um dos políticos mais importantes do país, o Presidente Marcelo, fazendo chegar a sua retórica demagógica — mas muito satisfatória para algum eleitorado — a mais e mais pessoas; ainda poderia dizer que serviu para declarar falsamente que o seu partido é a terceira força política nacional, o que é uma mentira total e descarada — goste ou não goste, o Bloco de Esquerda é o terceiro maior partido até à realização de novas eleições legislativas – gostaria de lembrar que este partido apenas tem um único deputado). E nós, democratas, assistimos (quase) serenos ao desmantelamento da nossa democracia, que a tantos custou conquistar.
Claro que me dirão “Mas, Pedro, e o Bloco ou o PCP não são também de extrema, mas extrema-esquerda?”; ao que eu respondo: primeiramente, o PCP é um pilar da nossa democracia, tendo sido, na clandestinidade, a principal força de oposição ao regime anterior (ditatorial) e na luta antifascista; é, hoje, um partido relativamente moderado que quer fazer valer os direitos laborais das portuguesas e dos portugueses (não me parece nenhum “crime”); relativamente ao Bloco de Esquerda, é um partido um pouco mais… vá, reacionário; porém, não tem como objetivo desmantelar a Constituição da República e substituí-la sabe-se lá por o quê.
As causas
Infelizmente, ignoram-se as causas destes fenómenos (ou quando se os debatem, não há honestidade suficiente para dizer o que tem de ser dito): a crise financeira, económica e social de 2008; a descrença (mais ou menos justificada) nos partidos tradicionais e democráticos (do centro), associada à tal crise, mas também os escândalos de corrupção que fomentam a ideia de que os governantes e políticos são todos corruptos, que apenas querem um “tacho” bem pago e não querem saber de quem os elege; as “esquecidas” zonas rurais, menos povoadas e desenvolvidas, pelas políticas públicas (em Portugal, o “eterno” interior); os igualmente “esquecidos” jovens (esses “irresponsáveis” que só se importam com seguidores e likes — se assim é, porquê criar condições de vida decentes para eles e perspetivas de futuro, não é?); os mais velhos (os idosos) a tentarem sobreviver com medicamentos e tratamentos que lhes consomem a miserável e curta pensão de velhice (ou reforma, chamem-lhe o que quiserem); entre outros esquecidos e frustrados das nossas sociedades democráticas, por culpa de políticas, em especial as neoliberais, que colocam o défice e o lucro à frente das pessoas, que as reduzem a números e que apenas aumentam ainda mais o fosso entre os ricos e os pobres.
Claro que ainda há a pequena (pequeníssima) fração da população que acredita realmente que o que é preciso para o país andar para a frente é um Salazar (sim, pois claro, nota-se mesmo que o país em quase 50 anos de ditadura evoluiu muito em comparação com o os 40 anos de democracia — vão mas é ler estatísticas e História! Oh, pois é, esqueci-me que é escrita por “esquerdalhas”…); com estes, não acredito que se consiga fazer grande coisa, mas para os outros ainda há salvação.
O pior de tudo é o facto de não se cingir apenas à política: nos EUA, muitos eleitores que se consideram democratas ou republicanos recusam, determinantemente, conviver e ser amigos (mesmo que já o sejam há décadas) de eleitores do outro partido (porquê?! — e não, a culpa não é só de Trump; o problema começou muito antes, aliás, arrisco dizer que isto são problemas mal resolvidos, mas que estavam adormecidos, desde a fundação dos Estados Unidos). Vivemos numa era perigosa, em que “ou estás connosco ou contra nós: escolhe um lado”. Começa a desaparecer espaço para moderados (para racionais, no fundo). A humanidade parece estar a perder a sua “humanidade” e a sua racionalidade — duas guerras mundiais para isto? (venha mas é a terceira, que pode ser que se resolva o problema).
Ainda podia falar do paradoxo da democracia ou sobre os limites da tolerância com a intolerância, mas é melhor ficar para outro texto.
A solução
Depois disto, venha mas é a solução (para não me acusarem de só reclamar e não propor soluções): é preciso repensar as políticas públicas, orientá-las para que fomentem, efetivamente, o progresso e a redistribuição real de riqueza, a igualdade e a justiça social; são necessárias verdadeiras políticas sociais-democráticas e até socialistas; para tal é preciso duplicar o atual salário mínimo português; investir loucamente no SNS; melhorar os cuidados continuados; rever os preços dos medicamentos; aumentar as pensões, melhorando o sistema de Segurança Social e criando um fundo soberano semelhante ao da Noruega para a alimentar de forma mais sustentada; melhorar os serviços públicos em geral, cortando cordões umbilicais entre o setor público e o setor privado na Saúde e na Educação (entre outras áreas) e investindo na sua modernização e aumento da qualidade da prestação do serviço; dar perspetivas de futuro aos jovens (e não apenas educação, no qual acho que fazemos um bom trabalho); as nossas empresas e empresários têm de perceber que está na hora de contribuirem realmente para a evolução do país (e não só para si — claro que de uma forma generalizada), aumentando-se a tributação sobre as grandes fortunas e rendimentos; criar novos impostos sobre os grandes patrimónios imobiliários; destruir os paraísos fiscais; tornar a economia mais inovadora e resiliente; efetuar a transição verde. Claro que isto assim parece um mundo perfeito, mas, se não aspirarmos a algo melhor ou até perfeito, nunca chegaremos lá perto.
Artigo da autoria de Pedro André Pinheiro