Política
Colômbia: a “revolução” que parou o país
A tensão entre colombianos e o governo não é algo recente. Já que em 2019 existiram inúmeros protestos, principalmente de estudantes, que pediam mudanças económicas e na justiça social.
O descontentamento crescente dos colombianos
A pandemia permitiu que as manifestações fossem postas de lado, até que uma reforma tributária que implicava uma subida de taxas viesse relembrar a falta de equidade no país. Embora o governo tenha voltado atrás com esta reforma, os protestos continuaram e transformaram-se numa “revolução” que pede melhores salários, um fim à corrupção vivida na Colômbia e um acesso igual a direitos básicos como a saúde e a educação.
Os protestos envolvem o bloqueio de estradas principais das maiores cidades, o que prejudicou significativamente o país, devido à diminuição de transporte de bens.
Os protestos envolvem o bloqueio de estradas principais das maiores cidades, o que prejudicou significativamente o país, devido à diminuição de transporte de bens. Além disso, nos portos, devido a barricadas, a exportação de bens alimentares sofreu uma drástica diminuição. O prejuízo financeiro é estimado pelo governo em cerca de 11 triliões de pesos, isto é, cerca de 2 biliões de euros.
Embora os protestos durante o dia sejam na sua maioria pacíficos, a noite é marcada por conflitos entre os manifestantes e a polícia, o que já resultou em mais de 60 mortos e inúmeros feridos e desaparecidos. A Human Rights Watch (HRW) vê esta situação que já se prolonga por quase dois meses como um “grave abuso da polícia contra manifestantes” e pede uma “ampla reforma que separe claramente a polícia das forças armadas” para que se possa garantir que o aumento de mortes não aconteça. O crescente número de mortos levou a que os líderes dos protestos anunciassem a suspensão temporária dos bloqueios rodoviários, de forma a evitar mais mortes em confrontos e também aglomerações no pico da pandemia no país.
O que está em causa
Em 2016, o governo colombiano assinou um tratado de paz com as Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia (FARC) que permitia assim acabar com um conflito de cinco décadas, o qual tinha já resultado em mais de 260 mil mortos e incontáveis refugiados. No entanto, cinco anos depois, o acordo está longe de ser cumprido já que a FARC entregou apenas parte da compensação financeira acordada e o governo que atualmente está no poder também tem abrandado a implementação desse acordo.
Em 2016, o governo colombiano assinou um tratado de paz com as Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia (FARC). No entanto, cinco anos depois, o acordo está longe de estar a ser cumprido.
Com a paz e a compensação financeira não garantidas, aspetos que poderiam ajudar a diminuir a desigualdade económica vivida no país, principalmente nas zonas mais rurais, muitos dos colombianos fizeram-se ouvir nas ruas do país. Além disso, os manifestantes exigem salários mais altos, um fim à corrupção e um acesso igualitário à saúde e à educação.
Para as comunidades indígenas, a guerra invadiu o seu território desde os tempos de colonização e o governo “nunca ajudou as pessoas pobres ou do interior, só ajuda os seus próprios interesses”, como explicou um líder de uma comunidade indígena, referindo-se ao adiamento da concretização do plano de paz. Já os mais jovens pedem maior investimento na educação para que o único sonho dos mesmos não seja sair do país, em busca de um futuro.
Confrontos entre a polícia e os manifestantes
As manifestações nas ruas colombianas têm sido marcadas por vários confrontos entre protestantes e a polícia, oas quais já resultaram em mais de 60 mortos. No entanto, a HRW teme que o número de mortos seja muito superior, devido a informações obtidas através de organizações de direitos humanos na Colômbia.
Segundo a HRW, estas mortes têm ocorrido devido a munição disparada por armas de fogo com objetivo de atingir órgãos vitais, espancamentos e uso inadequado ou excessivo de gás lacrimogéneo. Desta forma, a organização classifica estes eventos como um “abuso policial contra manifestantes” e pede ao governo que faça uma clara reforma no sistema policial, de forma a permitir uma separação entre a polícia e as forças armadas, assim como a rápida implementação de um sistema de vigilância e punição adequada caso estes abusos aconteçam novamente.
As mortes têm ocorrido devido a munição disparada por armas de fogo a órgãos vitais, espancamentos e uso inadequado de gás lacrimogéneo. É mediática ainda a prisão de uma jovem de 17 anos, seguida de uma denúncia de abuso sexual contra os polícias que a prenderam, que teve como desfecho o suicídio da mesma.
O número de mortos não afastaram os manifestantes, que também tinham como objetivo a denúncia do “abuso de poder, de autoridades e as agressões cometidas pelas forças de ordem pública”. Um dos mais significativos exemplos disso mesmo foi a prisão de uma jovem de 17 anos por participar nas manifestações, seguida de uma denúncia de abuso sexual contra os polícias que a prenderam, o que acabou na morte por suicídio da jovem. Os manifestantes responderam com o ateamento de fogo ao edifício onde a jovem tinha sido mantida presa.
Nestes últimos dias, devido ao aumento progressivo de mortes de manifestantes em confrontos com a polícia e ao aumento exponencial de casos de COVID-19 no momento que o país atravessa o pior momento em termos de pandemia, os líderes destes protestos decidiram temporariamente suspender os bloqueios rodoviários. Para o presidente da Confederação Geral do Trabalho, o objetivo é “salvar vidas em duas direções”.
No entanto, as manifestações vão continuar já que “as causas que as geraram se mantêm vigentes”. Como as negociações entre o governo colombiano e os líderes dos protestos não chegaram a conclusões significativas que pudessem resolver o impasse vivido no país há quase dois meses, os grupos de manifestantes pretendem apresentar as suas ideias, como a já mencionada reforma policial, ao Congresso, de forma a contornar o poder do governo.
Artigo da autoria de Beatriz Carvalho. Revisto por Marco Matos e José Milheiro.