Artigo de Opinião
Deixem-se de tretas e aprovem lá o Orçamento
Idos são os tempos de um partido comunista “velho-chato” que dava água pela barba a qualquer (qualquer, mesmo!) governo em funções e de um Bloco de Esquerda “puto-elétrico” a desafiar os grandes poderes instalados e a lutar verdadeiramente pelas mais ousadas ruturas sociais em Portugal.
Idos, ainda, são os tempos de um CDS de combate cerrado e não de birras mimadas que interessam pouco ao próprio partido e muito menos ao país, e de um PSD que, no que tocava às oportunidades de voltar ao poder, esquecia imediatamente o plano interno e se apresentava com força como alternativa ao governo socialista.
Curtos foram os tempos de um PAN a fazer jus ao nome, de verdadeiro combate ecológico e defesa animal, mas também de um LIVRE que mais não foi do que um epifenómeno sem efeito na vida das pessoas. Um IL que continua a valer mais nas redes sociais e no humor dos cartazes do que nas urnas, e de um CHEGA que o é mais pelo controverso líder do que pelo projeto.
Está tão estranho o ambiente político do país em que a única formação partidária que pode e está a fazer asneira na governação é a única que, paradoxalmente, parece estar a passar pelo pântano sem grande dano, mas tudo isto terá uma explicação! Foi o PS que criou, não só o pântano político em que vivemos, mas também o pântano em que agonizam as restantes formações partidárias. Apesar de tudo, justiça seja feita aos pequenos partidos à direita no Parlamento. Enquanto o LIVRE se transformou rapidamente numa inexistência, IL e CHEGA, à sua maneira, serão os únicos partidos sentados no Parlamento com astral mais positivo. Aliás, grande parte do CDS deve lamentar não ter um Ventura à sua frente (só não pode, nem deve, admiti-lo) e grande parte do PSD deve sonhar com um Cotrim Figueiredo na liderança – só que estão tão agarrados a Passos Coelho que ainda nem se aperceberam disso.
A questão é que este pântano político que todos vemos à frente e que nos intriga sobre como é possível governar mal e continuar a não perder, tem razões de ser muito distintas.
O CHEGA e o IL continuam com problemas de afirmação (de projeto e de votos, respetivamente), e o PSD e o CDS estão mergulhados no desgaste de uma governação recente e difícil, seguida de crises internas desagregadoras e absolutamente irresponsáveis por parte de vencedores e vencidos nas suas disputas de liderança. Mas, ao contrário do que parece querer assumir-se como tese dominante, a crise não se sente só à direita.
Desde as eleições legislativas de 2015 em que o BE, o PCP e o PEV (coligado com o PCP, designando a coligação “CDU”) formaram a “Geringonça” com o PS, que esses partidos têm perdido expressão eleitoral nas eleições que se seguiram. As eleições autárquicas têm sempre uma leitura nacional, feita pelos cidadãos, pela comunicação social e pelos próprios partidos, e nas Autárquicas 2021, tanto o BE como o PCP sofreram uma pesada derrota com a perda expressiva de votos, autarcas e no caso do PCP, de várias Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia.
A conclusão que fará mais sentido retirar desta dura realidade para a extrema-esquerda portuguesa é que os acordos com o PS estão a despir o eleitorado de razões para votar nesses partidos, a quem os portugueses reconheciam uma importante luta pelos direitos sociais e laborais dos mais desprotegidos contra as elites políticas e económicas do país e da Europa.
Naturalmente, ambas as direções destes partidos terão feito esta leitura, daí o folclore a que se assiste nos órgãos de comunicação social de ameaça de uma crise política! E é aí que entramos na perigosa crise existencial do BE e do PCP.
Se, por um lado, BE e PCP correm sérios riscos eleitorais pelo abandono de um programa e de causas que sempre os configuraram como importantes partidos de protesto e garantiam uma expressão eleitoral conjunta que oscila entre os 500 mil e 1 milhão de votos, a verdade é que se estes dois partidos decidirem agora repensar a sua estratégia novamente para o seu potencial eleitorado, correm o risco de entregar o país às mãos da direita, que foi exatamente o que os moveu para formar a geringonça e entregar o país ao PS, que sempre combateram.
Há uma curiosidade neste xadrez partidário português que pouca gente se aperceberá facilmente. É que, por muito encostada que seja a ideologia seguida por BE e PCP, as alternâncias de poder (entre PS e PSD) verificadas em Portugal dependem destes dois partidos.
O PCP controla os sindicatos. O BE controla uma fatia considerável da cultura e das universidades. Assim, sempre que pretendem fazer bandeira das suas reivindicações, convocam os seus movimentos organizados e rapidamente um governo em funções é atingido na sua popularidade, credibilidade e até legitimidade. Por sua vez, o maior partido da oposição passa a ter, no subconsciente das pessoas, a razão válida suficiente na rua para a sua oposição ao governo e para o que andaram a dizer no seu projeto alternativo para o país.
O problema para o BE e para o PCP é que o PS os enfiou numa encruzilhada muito difícil de resolver: se aprovarem o Orçamento de Estado, dão mais um passo a favor das razões para não existirem, perdendo mais uns votos na extrema-esquerda. Se não aprovarem o Orçamento de Estado, a direita que repudiam com todas as suas forças sujeita-se a voltar ao poder pelas suas mãos e a reverter as “migalhas” sociais que conseguiram nos últimos 6 anos.
Numa situação extremamente frágil em que os rendimentos de muitas famílias, a recuperação de muitas empresas e a sustentabilidade económica do Estado estão severamente ameaçados, não é a melhor altura para pôr em causa a governabilidade do país, reprovando um orçamento que, concorde-se ou não com a generalidade das políticas lá vertidas, procura garantir responsavelmente uma folga orçamental que será importante para ajudar a conter os danos de uma catástrofe que é mais provável do que desejaríamos. E sejamos sinceros, além de financeiramente irresponsáveis, as migalhas do BE e do PCP são isso mesmo, migalhas, em comparação com o ‘venenoso’ bolo da direita que está para sair do forno, desta vez ‘azedado’ com o CHEGA e com a IL. Para BE e PCP, neste momento, impedir a direita de governar é muito mais importante do que lutar pelas causas sociais de sempre. Por isso, deixem-se de tretas e aprovem lá o Orçamento!
Artigo da autoria de Tiago Oliveira