Ciência Acontece
CIÊNCIA ACONTECE: COP26
O que é a COP?
COP – Conferência de Partes – é o órgão de tomada de decisões da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, onde se debatem estratégias para o desenvolvimento de um mundo mais sustentável.
Onde se realizou a COP26?
A 26º cimeira anual realizou-se desde 31 de outubro até 12 de novembro em Glasgow, no Reino Unido. Foi copresidida pelo Reino Unido e pela Itália e reuniu líderes mundiais, representantes de governos, das indústrias e dos cidadãos.
Objetivos da COP26
1 – Assegurar a neutralidade carbónica global até meados do século XXI e manter o aumento da temperatura média abaixo dos 1,5ºC
Para que isto fosse possível, os países teriam de acelerar a eliminação progressiva do carvão como fonte de energia; reduzir a desflorestação; acelerar a transição para veículos movidos a eletricidade e; encorajar o investimento em energias renováveis.
2 – Assegurar a adaptação para proteger comunidades e habitats naturais
Seria necessário assegurar a cooperação, de modo a permitir e encorajar os países afetados pelas alterações climáticas a proteger e restaurar ecossistemas e; construir sistemas de defesa e de alerta (infra-estruturas e métodos agrícolas resilientes) para evitar a perda de habitação, meios de subsistência e de vidas.
3 – Assegurar a mobilização de financiamento
Os países mais desenvolvidos teriam de cumprir a promessa de mobilizar pelo menos 100 mil milhões de dólares por ano para financiar a transição climática. No que toca às instituições financeiras internacionais deveriam conseguir que biliões de financiamento do setor privado e público fossem investidos em projetos que garantam a neutralidade carbónica.
4 – Cooperação para enfrentar os desafios da crise climática
Posto isto, os países deveriam finalizar o Manual de Regras de Paris e acelerar as ações para combater a crise climática através da colaboração entre governos, empresas e a sociedade.
Resultados da COP26
No documento assinado pelas Partes foram tomadas as decisões abaixo apresentadas relativas aos diferentes tópicos em discussão.
Ciência e Urgência
A ciência passa a fazer parte do processo de tomada de decisão, tendo sido reconhecida a importância do último relatório do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change). Serve, também, para ilustrar a situação que o mundo enfrenta, mostrando a necessidade de aumentar a ambição em todas as áreas da ação climática, de modo a cumprir os objetivos de Paris, sendo que a responsabilidade de resolver o problema é mais de uns do que de outros.
Adaptação e Financiamento
As partes acordaram lançar o GlaSS (Glasgow-Sharm el Sheikh Work Programme on the Global Goal on Adaptation) que tem como objetivo proporcionar ações que reduzam a vulnerabilidade, fortaleçam a resiliência e aumentem a capacidade das pessoas e do planeta de se adaptarem aos impactos das alterações climáticas.
Em relação ao financiamento, apelou-se a que os países desenvolvidos duplicassem a provisão coletiva de financiamento climático para a adaptação dos países em desenvolvimento até 2025. Para além disso, angariaram-se mais de 350 milhões de dólares para o Fundo de Adaptação e 600 milhões de dólares para o Fundo para os Países Menos Desenvolvidos.
Mitigação
Neste tópico foram várias as conclusões:
- Um compromisso mais forte para limitar a subida da temperatura global em 1,5ºC e um maior reconhecimento da ciência mais recente.
- A redução progressiva da energia a carvão e subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis.
- As metas de redução das emissões para 2030 devem ser revistas em 2022, e, caso seja necessário, fortalecidas de forma a cumprirem a meta da temperatura do Acordo de Paris (cabe a cada Parte decidir qual a melhor maneira para o fazer).
- As Partes que não enviaram novas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs) devem fazê-lo antes da COP27, tal como estratégias de longo prazo (LTS) para se atingir o valor líquido zero até meados do século.
- Foi lançado um programa de trabalho sobre a ambição e implementação da mitigação e haverá uma reunião ministerial anual de alto nível sobre a ambição pré 2030, de modo a acelerar a ação de mitigação durante a década de 2020.
- Irá haver um Relatório Síntese anual que fornecerá as mais recentes informações sobre o progresso das NDCs e das LTS.
- A relevância do papel da natureza no alcance da meta para a temperatura é enfatizado.
- Por fim, haverá uma Leader Level Summit em 2023 sobre as ambições até 2030, onde o Secretário Geral da ONU será o anfitrião.
Perdas e Danos
Ficou explícito que as alterações climáticas já causaram e, cada vez mais, causarão perdas e danos, isso tornou clara a necessidade do fornecimento de mais dinheiro. Foram acordadas as funções e os arranjos de financiamento para a Rede de Santiago, que tem como objetivo providenciar e financiar assistência técnica às Partes, de forma a evitar, minimizar e tratar perdas e danos.
Foi fundado o Diálogo de Glasgow, onde as Partes, a sociedade civil e técnicos irão discutir como aumentar os recursos aplicados a perdas e danos e como as Partes com necessidades poderão ter acesso a esses recursos.
Em último lugar, o foco político nas perdas e danos aumentou devido a discussões ministeriais em julho, em Londres e na PreCOP em Milão. O Presidente da COP pediu aos facilitadores ministeriais para impulsionarem o trabalho sobre perdas e danos na COP. No Pacto há uma secção dedicada a enfatizar a sua importância crucial para o combate às alterações climáticas.
Implementação
Iniciou-se um processo para avaliar o progresso das Partes em relação às metas de Paris acerca da implementação nos próximos dois anos, que irá ser culminado em 2023 no Global Stocktake. Para além disso, finalizou-se o “livro de regras” de Paris e as partes concordaram com vários arranjos práticos e institucionais, como Medidas de Resposta (para fazer face aos impactos das políticas climáticas), o Grupo Consultativo de Especialistas (para ajudar a cumprir os requisitos de relatórios), entre outros. Tudo isto ajudará a que o processo climático da ONU seja levado avante.
Colaboração
Ação para o empoderamento climático e juventude
- Acordaram um novo programa de trabalho de dez anos em Glasgow sobre a Ação para o Empoderamento Climático (ACE), que se centrará no avanço da educação climática, formação, sensibilização do público, participação do público, acesso público à informação e cooperação internacional. A juventude é reconhecida com agente crítico de mudança, o que encoraja os governos a incluí-la como parte das delegações nacionais e é criado um fórum permanente da juventude, na sequência do Youth4climate realizado pela Itália na Pré-COP.
Género
- O Pacto incentiva as Partes a aumentar a participação plena, significativa e igualitária das mulheres na ação climática e a assegurar a implementação e meios para responder às questões de género.
Plataforma das Comunidades Locais e dos Povos Indígenas
- O novo plano de trabalho focar-se-á na capacidade de envolvimento, partilha de conhecimento e política climática. Para além disso, irá incorporar novas atividades, tais como reuniões de jovens e reuniões regionais.
Oceano e Terra
- As Partes concordaram em pedir às instituições climáticas da ONU que integrem o oceano no seu trabalho; que se inicie um diálogo anual sobre o oceano; com novos passos no processo climático da ONU, de forma a trazer mais coerência à discussão e ação na terra e nas alterações climáticas.
Questões Institucionais
- O orçamento para a UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change) foi estabelecido para os próximos dois anos, tal como o acordo para o início do Comité de Cumprimento do Acordo de Paris.
- O Egipto foi confirmado como anfitrião da COP27 e os Emirados Árabes Unidos como anfitriões da COP28.
Parceria de Marraquexe e dos Campeões de Alto Nível
- Os Campeões de Alto Nível (Gonzalo Muñoz e Nigel Topping) lançaram o seu plano de cinco anos para a Parceria Melhorada de Marraquexe para o Reforço da Ambição, que irá aprofundar o envolvimento com os governos nacionais, ver mais actividades das partes interessadas a nível regional e continuar a promover acções sobre resiliência e financiamento, especialmente para os mercados emergentes e países em desenvolvimento.
(A Parceria de Marraquexe é o espaço dentro do organismo das Nações Unidas para as Alterações Climáticas para a colaboração entre as Partes e as empresas, governos locais, investidores e sociedade civil).
Natureza
- A importância da natureza e dos ecossistemas, e da ligação entre o clima e os desafios da biodiversidade que enfrentamos foi reconhecida . Há um total de onze referências a temas da natureza , em todas as decisões da COP e da CMA, incluindo novas ações sobre os oceanos e a terra. Isto tem como objetivo aumentar a consciência global do papel crucial de proteger, conservar e restaurar a natureza e os ecossistemas para a adaptação e mitigação das alterações climáticas, incluindo as florestas e a biodiversidade. O papel crucial da natureza na realização do objetivo de temperatura do Acordo de Paris é reconhecido, pois sem ela é inatingível. As Partes são encorajadas a incorporar a proteção, conservação e restauração da natureza e dos ecossistemas nos seus planos de ação climáticos nacionais e locais, para apoiar meios de subsistência sustentáveis e os povos indígenas e comunidades locais.
Reações à COP26
Alok Sharma, presidente da COP26, disse à BBC que o normativo para aplicar plenamente o tratado parisiense foi completado e que se conseguiu mais dinheiro para os países vulneráveis às alterações climáticas. Para além disso, afirmou: “Creio que podemos afirmar que estamos a caminho de erradicar o carvão da história”. Rejeitou ainda que as mudanças de última hora da China e Índia sobre o fim do carvão significassem um fracasso. “Conseguimos muito e, a nível pessoal, dediquei muito tempo nos últimos dois anos… e, claro, só dormi umas seis horas nas 72h anteriores. Foi um momento emotivo”
Kaveh Guilanpour, o vice presidente das Estratégias Internacionais no Centro para Soluções Climáticas e Energéticas, considera que “Após a COP26, os novos compromissos tornam claro que vamos rumo aos 2 graus. Glasgow foi um passo importante em manter aberta a possibilidade de limitar o aquecimento global a 1,5 graus”.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, destacou o facto de se terem conseguido compromissos de redução de emissões para não se ultrapassar o limite dos 1,5ºC; o cumprimento da meta dos 100 mil milhões de dólares por ano para financiamento climático dos países em desenvolvimento e vulneráveis e; o acordo sobre o “manual do utilizador” do acordo de Paris. Acrescentou ainda que “Portanto, ainda temos de trabalhar mais para que a conferência do clima do próximo ano no Egito nos coloque firmemente no caminho dos 1,5°C”.
Boris Johnson, o primeiro-ministro britânico ao reagir à COP26 disse que “Há ainda muito a fazer nos próximos anos” e que “o que é importante é que temos o primeiro acordo internacional para reduzir o uso de carvão e um plano para limitar o aquecimento global a 1,5 graus.”. Acrescentou ainda que esperava que a COP26 ficasse conhecida como o início do fim das alterações climáticas.
Jennifer Morgan, líder da Greenpeace International, disse que “É mole, é fraco e o objetivo de 1,5° C quase não está vivo, mas há um sinal de que a era do carvão está a chegar ao fim. E é importante”. Por um lado, as medidas para conter o aquecimento global suscitam dúvidas à Greenpeace, por outro as alterações ao parágrafo sobre o carbono, por insistência da Índia e da China, não são valorizadas.
Manuel Pulgar-Vidal, diretor da secção para o clima da WWF (World Wildlife Fund), considera que “A menos que (os países) se voltem para a implementação e mostrem resultados substanciais, vão continuar a ter a sua credibilidade ameaçada”. A organização reconhece progressos e que há novas oportunidades para os países cumprirem o que tem de ser feito para combater as alterações climáticas.
Malala Yousafzai é uma ativista paquistanesa ligada à luta pelos direitos humanos, especialmente aos direitos à educação das mulheres e crianças, e a vencedora mais nova de sempre do Prémio Nobel da Paz. Em entrevista no The Andrew Marr Show, disse que tinha expectativas que os líderes fizessem algo, mas que infelizmente não corresponderam às expectativas que tanto ela como outros ativistas climáticos tinham. Acrescentou ainda que os líderes deveriam dar prioridade às pessoas e ao planeta em vez de aos lucros, neste momento. Por fim, constatou que as alterações climáticas não são um problema isolado e estão ligadas tanto à igualdade de género, como à educação das raparigas.
Greta Thunberg, a ativista ambiental sueca que ficou conhecida por impulsionar as greves mundiais à escola para protestar contra a falta de ação em relação às alterações climáticas (#FridaysForFuture), reagiu da seguinte forma à COP26 no Twitter.
The #COP26 is over. Here’s a brief summary: Blah, blah, blah.
But the real work continues outside these halls. And we will never give up, ever. https://t.co/EOne9OogiR
— Greta Thunberg (@GretaThunberg) November 13, 2021
António Guterres, Secretário Geral das Nações Unidas, na COP26 lembrou que a dependência dos combustíveis fósseis está a levar-nos ao abismo e que temos de “parar de brutalizar a biodiversidade, de nos matarmos a nós próprios com carbono, de tratar a natureza como esgoto”. Sublinhou que o planeta Terra está a mudar desde os oceanos até às montanhas, glaciares que derretem até aos eventos climáticos extremos e que é uma ilusão pensar-se que estamos no caminho certo para combater as alterações climáticas, já que os compromissos assumidos para a redução das emissões ficam muito aquém da meta dos 1,5ºC.
Evidenciou ainda que os países do G20 têm uma responsabilidade acrescida, já que são responsáveis por 80% das emissões. E apelou a que “os países desenvolvidos e as economias emergentes construam coligações capazes de criar as condições financeiras e tecnológicas para acelerar a descarbonização da economia e a eliminação do carvão.”
O JUP é um jornal universitário constituído por jovens estudantes que têm em conta a urgência de combater as alterações climáticas e que consideram que não só os governos, as indústrias, as instituições mas também as pessoas têm de refletir sobre como podem alterar os seus hábitos em prol do ambiente. Posto isto, a editoria de Ciência e Saúde vai lançar em janeiro de 2022 uma nova rubrica, ECO CHOICES, que terá como objetivo dar a conhecer start ups, negócios, produtos, entre outros, que têm como objetivo a sustentabilidade.
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Texto por Maria Teresa Martins.