Política
Diário da viagem Mediterrânica do Papa Francisco
O Papa Francisco despediu-se de Atenas, no início do mês de dezembro, com uma visita a uma escola local, onde ouviu os testemunhos de jovens refugiados. Este encontro marcou o fim da sua visita de cinco dias à Grécia e ao Chipre.
Esta viagem mediterrânica teve como desígnio não só a defesa dos direitos dos migrantes, mas também a continuação da reconciliação e aprofundamento das relações entre a igreja católica e a ortodoxa.
Segundo o Vaticano, “Conforto mútuo na fé” foi o tema da peregrinação, que se iniciou no Chipre. No país, que recebeu pela segunda vez a visita de um Papa, 80% dos 850.000 habitantes são cristãos, sendo que os católicos representam cerca de 4,5 % da população.
Politicamente dividida desde 1983, após uma invasão turca, a ilha encontra-se numa situação política com disputa ainda vigente. O pontífice advertiu para a possibilidade das divisões eclesiásticas gerarem conflitos.
“Aqui, em Chipre, existem muitas sensibilidades espirituais e eclesiais, histórias de proveniência diversas, diferentes ritos e tradições. Mas não devemos sentir a diversidade como uma ameaça à identidade, nem devemos tornar-nos ciumentos e apoquentar-nos com os respetivos espaços. Se cairmos nesta tentação, cresce o medo; o medo gera desconfiança; a desconfiança desemboca na suspeita e, mais cedo ou mais tarde, leva à guerra.”, disse.
Na despedida ao Chipre, o Papa falou de forma alarmante sobre as condições precárias em que os emigrantes se encontram e para a exploração a que são sujeitos. Francisco deixou a ilha, providenciando, ainda, a transferência de 50 migrantes para Roma.
O líder da Igreja Católica, no regresso a Lesbos, teceu críticas aos líderes europeus, afirmando que não se verificaram grandes mudanças, desde a visita realizada em 2016, no que diz respeito à situação dos retidos na ilha. Os países da União Europeia têm criado cada vez mais barreiras para manter os refugiados fora dos seus países e o Mediterrâneo continua a representar um “mar de morte desolado”, disse o Papa apelando ao fim deste “naufrágio da civilização”.
A defesa dos refugiados é uma questão importante para o pontífice, tendo em conta que nasceu na Argentina e é filho de imigrantes italianos. “Peço a cada homem e mulher, a todos nós, que ultrapasse a paralisia do medo, a indiferença que mata, o desrespeito cínico que condena indiferentemente à morte aqueles que estão à margem”, afirmou o Papa Francisco, aludindo à comitiva grega, que incluía a presidente da Grécia, Katerina Sakellaropoulou.
Na capital grega, teceu ainda críticas à Europa pela falta de consenso que demonstra relativamente à migração. Referindo-se a Atenas como o berço da democracia, demonstrou a sua preocupação quanto às ideias populistas que ironicamente caracterizou como “canções das sereias do autoritarismo“.
O pontífice discursou num campo de refugiados construído para substituir o devastado campo de Mória e disse que “a história ensina-nos que o interesse próprio e o nacionalismo conduzem a consequências desastrosas”. “É fácil influenciar a opinião pública incitando o medo do outro”, acrescentou o Papa.
O discurso proferido foi dirigido aos líderes políticos que realmente têm o poder para mudar a situação.
Uma Fé, duas Igrejas
O patriarca grego Ieronymos II recebeu o Papa Francisco no arcebispado ortodoxo de Atenas. Este encontro marcou a primeira vez, em quatro anos, que o líder católico se reuniu com o líder da Igreja Ortodoxa grega.
Quando o Sumo Pontífice entrava no arcebispado ortodoxo de Atenas, foi insultado: “Papa, tu és um herege”, profanou um padre ortodoxo da Grécia.
Após um encontro privado, o arcebispo ortodoxo afirmou publicamente o seu desejo, bem como o do Papa, de reforçar os laços entre os cristãos ortodoxos e católicos.
Em 1054, o cristianismo dividiu-se nas igrejas católica romana e ortodoxa oriental no que é apelidado como o “Grande Cisma”, provocado por disputas eclesiásticas e teológicas, mas também refletindo as diferenças políticas e culturais no seio da religião cristã durante o século XI. Durante séculos as relações entre as duas igrejas foram hostis e marcadas por conflitos como o Massacre dos Latinos, em 1982, e a retaliação católica com o Saque de Constantinopla durante a Quarta Cruzada.
O primeiro Papa a pedir perdão pelo desempenho da Igreja Católica na rutura foi João Paulo II, na visita à Grécia em 2001. Também o atual pontífice, juntamente com o Patriarca de Moscovo, Cirilo I, pediu ao público, em 2016, uma reaproximação e fortalecimento dos laços entre as igrejas. Este encontro histórico representou a primeira reunião dos líderes de ambas as igrejas, em quase 1.000 anos.
Esta política de reconciliação tem vindo a ser defendida no mais recente papado. O Papa Francisco reiterou o pedido de perdão do papa João Paulo II, no seu discurso dirigido ao arcebispo, Ieronymos II.
“Sinto a necessidade de pedir de novo o perdão de Deus e dos nossos irmãos e irmãs pelos erros cometidos por muitos católicos”, afirmou o líder da Igreja Católica.
“Acreditamos que tendes a coragem e a sinceridade de examinar as falhas e omissões dos vossos pais”, respondeu, num ato de concordância, Ieronymos II. O patriarca grego acrescentou que “entre aqueles que querem ser chamados irmãos cristãos, a melhor linguagem é, e sempre será, a honestidade”.
Este encontro marcou mais uma página na recente consonância entre ambas as igrejas.
Artigo da autoria de Luís Jacques de Sousa. Revisto por Filipe Pereira e Inês Pinto Pereira