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Política

Pandora Papers: a evasão fiscal como um gigante que não dorme

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O que se descobriu com os Pandora Papers

Uma investigação jornalística levada a cabo pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, sigla inglesa) revelou, no dia 3 de outubro deste ano, um conjunto de ilegalidades cometidas por chefes de Estado, políticos e celebridades através da criação de contas offshore secretas.

A descoberta de uma série de esquemas pela parceria jornalística veio rapidamente a ser nominada: Pandora Papers, sendo que a informação revelada expôs 11,9 milhões de documentos respeitantes a contas offshore de figuras proeminentes da sociedade. Entre as figuras afetadas, constam  o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, o atual primeiro ministro dos Emirados Árabes Unidos e governante de Dubai, Mohammed bin Rashid Al Maktoum e o rei Abdullah II da Jordânia.

Foram divulgados milhões de ficheiros, relativos ao registo de companhias offshore em paraísos fiscais, graças a 14 escritórios de advocacia especializados.

A título de exemplo, Tony Blair, o ex-primeiro-ministro do Reino Unido, condenou a  evasão fiscal durante décadas, mas os documentos revelam que Blair  e a esposa terão adquirido um prédio de 8,8 milhões de dólares através de uma empresa imobiliária offshore da família do ministro do Turismo de Bahrein, Zayed bin Rashid al-Zayani. Não comprando o prédio diretamente, mas as ações da empresa offshore detentora do imóvel, Tony Blair e a esposa, Cherie, terão alegadamente fugido ao pagamento de impostos sobre transações imobiliárias que poderiam chegar a US$ 400.000.”

Em Portugal, Nuno Morais Sarmento, advogado e atual vice-presidente do PSD, Vitalino Canas, advogado e ex- deputado socialista e Manuel Pinho, ex-ministro da Economia e ex-administrador do BES são as três figuras portuguesas que alegadamente  fazem parte destes esquemas offshore.

O Expresso, jornal que integra o ICIJ e tomou parte na investigação com vista a definir se existiam portugueses envolvidos no esquema, nota que “O vice-presidente do PSD, Nuno Morais Sarmento, usou as Ilhas Virgens Britânicas para ser sócio de um hotel em Moçambique.” O Vice Presidente do PSD terá alegadamente utilizado dinheiro não comparticipado ao Estado e presente nesta conta nas Ilhas Virgens para adquirir uma escola de mergulho e um hotel em Moçambique. Terá sido passada uma procuração a Vitalino Canas para atuar em nome de uma companhia também registada neste paraíso fiscal. As alegações relativamente a  Manuel Pinho denunciam a posse pelo antigo ministro de três companhias offshore, já conhecidas por constarem de um inquérito-crime ainda em curso sobre a EDP.

O Partido Comunista Português (PCP)  já manifestou a intenção de ver apuradas as responsabilidades destes ex-governantes, alertando para a urgência de eliminar os paraísos fiscais e colocando em cima da mesa diversas propostas

“o dever de informação especial das relações com entidades sediadas em centros ‘offshore’, ainda que cooperantes, a criação de uma taxa especial sobre transações financeiras para paraísos fiscais, a exclusão de apoios públicos para entidades sediadas em ‘offshore’, incluindo no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), a obrigatoriedade da tributação em Portugal da riqueza gerada no país e o reforço da intervenção da Autoridade Tributária junto dos grupos económicos.”

Por sua vez, Nuno Morais Sarmento negou que tenha cometido qualquer ilegalidade na utilização de offshores, tendo garantido que Rui Rio, o líder do PSD, não lhe tinha pedido quaisquer esclarecimentos.

Offshores e Paraísos Fiscais

Mas, afinal, o que são offshores? O termo significa “distante da costa”, e refere-se a empresas fora do país de origem do respetivo proprietário, geralmente sediadas  em paraísos fiscais.

Estas empresas não se encontram, assim, sujeitas ao regime fiscal que vigora nos países dos quais os respetivos proprietários são naturais.

 

Os paraísos fiscais (ou refúgios fiscais) são países com regimes legais que facilitam a aplicação de capital estrangeiro e a isenção fiscal.A título de exemplo,  as Maldivas, as Ilhas Caimão, as Ilhas Virgens Britânicas, o Mónaco ou o Panamá são conhecidos paraísos fiscais.

Nesses países, os bancos não conhecem o proprietário do dinheiro depositado nas respetivas contas offshore.A  redução ou isenção de impostos, a existência de uma regulamentação financeira mais flexível e a elaboração de regras com vista à proteção do sigilo bancário são algumas vantagens decorrentes da criação deste tipo de conta,

Esta prática é legal, ou seja, não é crime ter uma offshore. A desconfiança em torno das offshores está na dificuldade de rastreio da origem do capital, que facilita o investimento em atividades criminosas, como a corrupção ou terrorismo.

Com os Pandora Papers, que o diretor do ICIJ , Gerard Ryle classifica de “Panama Papers com esteróides”, dada a grande quantidade de informação descoberta (superior também à que fora revelada nos Offshore Leaks e, em termos brutos, à dos Paradise Papers)

É difícil falar do sistema de offshores sem falar de criminalidade. Por exemplo, o recurso a empresas offshore por Shakira, em 2018, com vista à gestão de um  negócio musical global, originou  uma investigação de evasão fiscal em Espanha. Posteriormente, um juiz  decidiu que havia provas suficientes para que este caso fosse a julgamento, já que a cantora não tinha pago US $16,4 milhões em impostos, relativos ao período de 2012 a 2014. 

No entanto, não é difícil abrir empresas e trusts offshore. Por exemplo, uma celebridade que mora em Londres ou Los Angeles pode solicitar a um provedor de serviços financeiros que,numa jurisdição sigilosa, se crie e registe uma corporação.

Porém, principalmente quando se fala em líderes mundiais, os resultados podem ser avassaladores para as populações. O Rei da Jordânia, por exemplo, gastou milhões de dólares para adquirir múltiplas propriedades de luxo enquanto o país recebia ajuda internacional.

As consequências

Gerard Ryle conclui que a participação de líderes mundiais , de políticos e de funcionários dos Estados neste tipo de evasão fiscal o leva a pensar que “não iremos ver o seu fim”

Apesar de muitas das  alegadas atuações em causa não poderem ser qualificadas como ilícitas, os esquemas que visam esconder a riqueza privando os Estados de uma quantia significativa de dinheiro (que estaria destinada aos cofres públicos) causam um grande descontentamento social. Estando em causa receita pública, também não se pode esquecer que tais práticas acabam por ter um impacto direto na vida dos cidadãos, sendo que “a capacidade de esconder dinheiro (…) afeta o acesso (…) à educação, acesso à saúde, acesso a um lar”, sublinha Lakshmi Kumar Diretora de Políticas da Global Financial Integrity ao ICIJ.

Por sua vez, de acordo com o ICIJ, os economistas salientam que “as offshore holdings privam os governos de centenas de bilhões de dólares em receitas fiscais todos os anos.”

Artigo da autoria de Laura Teixeira. Revisto por Filipe Pereira e Inês Pinto Pereira

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