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Artigo de Opinião

O que o meu terapeuta chama de escapismo

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Fugir é bom de vez em quando.Chegar na porta, pensar consigo mesmo “telemóvel, auriculares, carteira, chave, máscara” e sair. Só porque a casa sufoca e você já está ficando um pouco claustrofóbico. Só porque a casa sufoca e você precisa de ar, bastante ar. A quantidade de ar que um paraquedista toma ao rosto ao saltar do paraquedas. Você quer saltar de paraquedas. Talvez sem o paraquedas.

Fugir é maravilhoso. Deixar várias ligações perdidas no telefone, não responder às mensagens, só andar por aí. Sem objetivo. Sem rumo. Padre dizia que para quem não tem destino, qualquer caminho basta. Mas qualquer caminho basta. Basta sempre. Qualquer caminho é novidade. É restaurante novo. É brechó descoberto, um sebo secreto, fino por menos de 50 cêntimos. Qualquer caminho vai sempre te levar a algum lugar e, se não gostar do lugar, é só voltar.

O difícil é voltar. Porque fugir é bom e a gente se acostuma a fugir. Primeiro a gente foge aos poucos, só até à esquina. Depois anda umas ruas a mais, mas ainda dorme em casa. Quando se dá conta, já pegamos um ônibus e moramos num hostel barato de salubridade duvidosa. E então partimos de trem, e do trem para o avião e; ao acordarmos num navio sem destino no Pacífico, percebemos que finalmente fugimos. Fugimos e conseguimos.

Mas daí já se acumularam muitas chamadas não atendidas, há demasiadas faltas na faculdade, as mensagens se acumulam em pilhas e os e-mails parecem ser infinitos. Porque fugir não é parar de existir. Você pode não estar presente, mas sua vida continua e o tempo passa e o tempo cobra, independentemente da sua fuga. A sociedade também.

E, neste ponto, você começa a se questionar se dá para voltar atrás e se ainda se lembra da rota para casa. Claro que lembra, mas você quer esquecer e usar isso como desculpa para não mais voltar.

Mas volta. Você volta porque tem que voltar. E a sua casa é a sua casa, porém você não se sente em casa; animal sem lar, agora você é fadado a ser da fuga. E a casa está suja, cabe a você fazer dela sua outra vez. Você o faz, o faz de novo, dá trabalho, mas trabalho engrandece.

E você vai às aulas da faculdade, não reprova por falta. Responde aos e-mails e retorna as chamadas perdidas. Lê cada uma das mensagens acumuladas e pede desculpa por não ter falado nada antes. Volta à vida. Retorno, enfim.

Mas, você sabe.

Fugir é bom.

E de vez em quando dá vontade de fugir de novo.

 

Artigo da autoria de Débora Magalhães Binatti

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