Cultura
O feminismo tem uma verdade e muitas canções
A AGON é uma estrutura de criação fundada por Filipe Gouveia e Sara Maia, em 2021, e sediada no Funchal. Dedicados a explorar as áreas do teatro, música e dança, não excluindo o vídeo e as artes visuais, “A Verdade” vem provar que o cruzamento artístico e disciplinar só traz vantagens e que é possível ser-se bom a fazer tudo.
Não se assumem como teatro musical mas antes como um “teatro sem rótulos” – embora não se inibam de falar sobre assuntos que, infelizmente, ainda estão cheios deles. Este é um espetáculo Cabaré-Crime sobre o feminismo (ou será femismo? ou será machismo?), que satiriza o papel da Mulher (com M grande) durante toda a história do Homem. Duas mulheres enchem um palco inteiro e, mesmo com homens em cena, a tocar e a dançar, cada ação merece ser dita e feita no feminino.
Estamos habituados a que no cabaré tudo seja falso, tudo seja mentira. Mas aqui não só pode ser verdade, como isso é assunto de gozo.
Filipe Gouveia é um homem a falar sobre mulheres e consegue a proeza de as despir sem nunca lhes tirar a roupa. E, convicto que “em pleno século XXI já não devia ser preciso discutir assuntos tão óbvios como a igualdade de género”, decide cantar e dançar. Quem sabe (e por estranho que pareça) a mensagem urgente do feminismo não passa mais eficazmente num palco cabaret do que num discurso político.
A equipa é composta por muitos amigos e conhecidos que o encenador foi conhecendo ao longo do caminho artístico e o apoio do programa Garantir Cultura é vital para trazer esta história de morte à vida.
“Este é um género de teatro que precisa de apoios. Só assim é possível investir, principalmente, na música original e na coreografia.”
O preconceito sobre o teatro musical é real. Se por um lado o estilo popular sempre agradou as massas, dentro da própria camada artística é inevitável associá-lo a tempos e figuras que, no fundo, nem sempre queremos lembrar. O preconceito sobre o teatro musical é real, pelo menos em Portugal. Uns dizem que é demasiado irreal, outros dizem que é excessivamente excêntrico, e ainda há quem diga que é um cocktail com demasiados ingredientes.
Digam o que disserem, a receita exige apenas a completude do artista. Numa arte teatral onde é fácil fazer de conta que se sabe mais ou menos cantar, dançar, pintar, conduzir, morrer (e tantas outras coisas que os atores fazem), “A Verdade”, para além de uma história intemporal e urgente de tão real (embora igualmente irónica e parva de tão mentira), traz artistas que dominam plenamente a interpretação, a voz e a linguagem corporal. E só esta verdade, de tão rara, merece aplausos.
“A Verdade” está esta sexta e este sábado, 11 e 12 de fevereiro, às 21h, o Teatro Helena Sá e Costa e é, na verdade, uma pequena revolução com música contra tudo, até contra o próprio espetáculo. Nesta suposta ode ao feminismo, o “grande show” nem sequer passa ao Teste de Bechdel – que questiona se uma obra de ficção possui pelo menos duas mulheres que conversam entre si sobre algo que não seja um homem. E isso evidencia que, para além de dominarem as mil coisas que já dominam, também dominam a comédia. Dito isto, está na hora de matar as ideias feitas e dançar ao som desta nova verdade que é o teatro musical.
Artigo da autoria de Inês Sincero