Cultura
Jethro Tull – Uma Locomotiva nos Carrilhos de uma Flauta
22 anos depois, os Jethro Tull voltaram a pisar palcos portugueses. O único membro fundador ainda em atividade na banda é o cantor, flautista, e a cara do grupo, Ian Anderson.
Sempre um grupo volátil e com várias alterações de membros ao longo dos seus 54 anos de existência, a definição de “Jethro Tull” como uma “banda real” dificilmente é aceite de forma linear, uma vez que não há nenhuma diferença entre o grupo e Ian Anderson a solo (ele que, por várias vezes ao longos destes últimos anos, se referiu à sua própria banda como um “legado vivo”). Para os fãs mais hardcore, a saída de Martin Barre (guitarrista entre 1969 e 2011, só não estando mesmo presente no primeiro álbum da banda), motivada pelo desejo súbito de Ian Anderson de parar com a banda em 2011, foi o “último prego no caixão” na vida útil da banda.
Foi com bastante surpresa que se ouviu, a meio de 2021, a edição de um novo álbum da banda, “The Zealot Gene”, lançado no passado dia 28 de janeiro. A banda presente no álbum é, na verdade, a banda solo de Ian Anderson. Portanto, quão existente é atualmente a banda “Jethro Tull”?
No recinto do Super Bock Arena, a expectativa geral era bastante variada: uns reiteravam a voz bastante debilitada do cantor, outros falavam sobre a qualidade musical inexcedível da banda, mas, no geral, todos referiam a oportunidade imperdível de ir ver esta banda lendária.
O concerto começou com o clássico “Nothing is Easy” do grande Stand Up de 1969. Nesta rendição percebeu-se logo ao que se vinha: a uma pintura musical cheia de pormenores incríveis. A voz de Ian Anderson até começou bastante bem, embora se notasse claramente o esforço vocal, facto presente em cada concerto dos últimos 30 anos da banda.
O concerto teve os seus momentos já esperados: uma parte do magnum opus da banda “Thick as a Brick” de 1972, uma versão jazzística de “Bouree” de Bach (obrigatória em cada concerto da banda), os grandes sucessos “Living in the Past”, “Songs From The Wood” e “My God”, entre outros. Mas também teve uma grande parte baseada em deep cuts: “Black Sunday” e “Clasp”, tocada pela primeira vez desde meados dos anos 80, “Hunt By Numbers” e “Wicked Windows” do nem sempre muito querido J-Tull Dot Com de 1999, último álbum composto apenas por originais. É de destacar que a banda tocou pelo menos uma música de cada década da sua atividade, o que mostra a diversidade presente na setlist. Porém, a maior surpresa foi a inclusão de “The Zealot Gene”, faixa-título do novo álbum da banda – o primeiro desde 2003 -, uma faixa com estrutura “tulliana” e com grande feel de música ao vivo.
Para o fim do espetáculo, estavam guardados os dois grandes momentos de qualquer concerto de Jethro Tull: “Aqualung” e “Locomotive Breath”, consideradas duas das melhores músicas de rock de todos os tempos. Para a primeira, dada a enorme dificuldade de a cantar e o poderio vocal da música altamente contrastante com o atual de Ian Anderson, esta foi completamente alterada, com novas secções e texturas, voltando apenas ao seu formato original no fim da peça, para grande alegria do público. Para a segunda, o formato original manteve-se, com solos longos finais a estender grandemente a duração original da música, mas que motivaram ainda mais a alegria palpitante de todo o Super Bock Arena.
No fim, toda a gente saía com o mesmo pensamento: Ian Anderson fez das debilidades uma nova forma de entregar o carisma e a excelente musicalidade que sempre caraterizou o grupo. Não desapontaram de todo: superaram totalmente as expectativas, até do mais cético.
Artigo escrito por José Macedo