Artigo de Opinião
Está a nascer uma nova geração de políticos
Os mais recentes desenvolvimentos no leste da Europa são assustadores. A invasão da Ucrânia, por parte da Rússia, é um claro ataque aos direitos humanos. O ato não é apenas movido por uma fome imperialista irracional e desmesurada de Vladimir Putin. Não será coincidência a Ucrânia ser um dos países de maior dimensão da Europa e extremamente rico em diversas matérias-primas.
Pensando numa perspetiva egoísta de quem apenas olha para o seu próprio umbigo, esta ofensiva não terá consequências físicas no Ocidente. Não pertencendo à NATO, a Ucrânia não tem direito à ativação do artigo 5º. Mas brotam desta situação duas questões importantes.
Primeiro, nem Putin é Hitler nem a conjuntura atual é a mesma dessa época. O líder russo não pretende expurgar uma franja específica da sociedade, mas, como já referi, é movido por uma vontade insaciável de recuperar um império e de vingar uma humilhação. Tal torna os seus atos imprevisíveis. Reparou na falta de rumo da Europa e na desorganização americana (para as quais ele próprio contribuiu) enquanto já se sentia ameaçado e aproveitou a oportunidade. Basta começar a não haver uma mínima resposta à altura e sentir-se um mínimo sinal de desunião por parte da União Europeia e da NATO que Putin só se sentirá mais tentado a continuar a sua investida até outros países.
Mesmo que este ataque não tenha os resultados que Putin pretende, quem sabe se tal circunstância não poderá espoletar na Rússia o nascimento de uma figura com vontades semelhantes às que Hitler teve em tempos. O maior entrave a esse cenário será o próprio presidente russo, que, à semelhança do homólogo chinês, está praticamente eternizado na cadeira do poder.
Segundo, há sérios problemas na resposta que está a ser dada à invasão. As consequências das sanções económicas vão sofrer um ricochete e atingir também a própria União Europeia, numa altura em que a inflação já é um problema central. Além disso, a degradação inevitável da condição financeira da sociedade russa será facilmente justificada por Putin como o resultado do forte entrave económico que o Ocidente está a impor à Rússia. Porém, reitero que estas sanções são necessárias e representam a única resposta que a UE poderia dar.
Só há uma via na qual as sanções podem prejudicar gravemente a reputação de Putin no seio da sociedade russa: tendo em conta as sanções que estão a ser anunciadas (especialmente no Reino Unido, onde há uma forte presença de investimento russo), este corte com o Ocidente pode representar uma forte queda da riqueza e poder das elites russas e uma séria ferida nos seus egos. São uma classe que prospera na Rússia, mas também pelas ligações à Europa, onde adora passar férias nos iates e hotéis de luxo.
Fica também mais do que fundamentada a ideia de que a UE tem, obrigatoriamente, de diversificar as suas fontes de energia e investimento. Até Portugal tem que repensar a sua colaboração económica com a China, que será agora o parceiro fulcral da Rússia. Em caso contrário, o país ficaria completamente isolado do mundo. É a China que garante a viabilidade da invasão a que estamos a assistir.
É igualmente importante relembrar que, nos dias de hoje, a guerra não se faz apenas de punho cerrado e espingarda erguida. Faz-se, pelo contrário, com a agilidade dos dedos. Mesmo que apenas na confidencialidade dos documentos e nas traseiras da comunicação social, os ataques informáticos já são uma nova forma de guerra e são especialmente perigosos quando oriundos de um país que tanto domina essa área, a Rússia. Há ainda outros métodos, mais arcaicos e atrozes, que a Rússia não desiste de utilizar, bastando como exemplos os eventos dos últimos anos, do caso Skripal a Navalny.
É obvio que o Ocidente não é inocente. Mas quando deparados com esta situação, a prioridade de qualquer partido político deve ser a condenação clara ao ataque perpetrado pelos russos. Independentemente dos possíveis paralelismos, o Ocidente defende valores democráticos, permite a existência de meios de comunicação livres e tem eleições justas. Não tenta matar opositores com ataques químicos. As afirmações de que a Rússia de Putin foi “provocada” são a normalização infantil para esta invasão.
As justificações para esta guerra são completamente fabricadas, fruto de uma capacidade fantasiosa muito criativa por parte do estratega russo. A Ucrânia tem um poderio económico brutal que só vai aumentar a almofada que a Rússia necessita para ultrapassar as sanções económicas a que está agora sujeita.
É por todas estas razões que afirmo que está a nascer uma nova geração de políticos. Uma geração que acordou mais europeia e mais democrática. Uma geração que vai crescer com a guerra e que vai pensar a política de uma forma diferente. Uma geração que percebe que não é possível vivermos isolados. Uma geração que está ciente de que os nacionalismos e os extremismos são ainda possíveis. Uma geração com coragem.
A diplomacia, com Macron a destacar-se como a nova face da UE, tem de ser sempre a principal rota. A guerra como solução, independentemente das circunstâncias, nunca deve ser uma escolha. Mas é precisamente por essa razão que o reforço da NATO, a criação de um Exército Comum na Europa e o reforço dos meios militares são urgentes, para que a esperança de guerra se torne vazia. Mas nunca gastando nela mais do que na arma mais poderosa de todas: a educação.
Artigo da autoria de João Paulo Amorim