Crónica
Sobriedade: o Alien da noite
Não é para me armar nem nada, mas já saio há tempo suficiente para perceber um pouco do que é a “noite”. Sei que não se deve pegar no copo com a mão direita- e acreditem, esta foi uma lição que aprendi com os erros-, não se deve beber shots que contenham qualquer tipo de chama e, por fim, “vergonha não é vomitar é…”. Bem, vocês certamente sabem o resto, e é chato os meus pais estarem a descobrir que eu sou um alcoólico quando disfarcei tão bem até agora. No fundo, quem sai à noite sabe que a bebida é uma componente importante. Quando digo isto não quero fomentar a ideia de que todos os sábados ingiro quantidades absurdas de álcool que orgulhariam o Rui Reininho-isso não acontece todos os sábados. Porém, se me perguntarem se sabe bem, chegar ao fim de semana, e descontrair com o auxílio da fermentação de açúcares e cereais, obviamente que a minha resposta vai ser: “obviamente” – e nem é bem preciso ser fim de semana, mas isso fica para outro dia.
Basicamente, gosto de sair e beber com os meus amigos como qualquer ser mortal. Esta sexta-feira, todavia como já foi referido, tive de levar carro e fui inibido de beber- sim, chamem-me antiquado, mas eu sou uma daquelas pessoas que quando conduz não bebe. Pensei que não pudesse ser assim tão diferente, quer dizer, poderia conversar na mesma, fingir que gosto da música que está a passar na mesma, enfim, até o próprio Toy só fala em “beijar, dançar e hm hm toda a noite”. Pensei que seria tudo mais ou menos igual, sou tão ingénuo.
Bem, a noite começou e com ela veio o primeiro desafio: estacionar o carro. Eu já fiz o código há algum tempo, mas já não me lembrava da lei que dizia ser “proibido estacionar no passeio, a não ser que haja uma festa a 300m desse mesmo passeio”. Deste modo, esperei uns bons 10 minutos para passar numa via de 2 sentidos, porque uma delas tinha sido convertida num parque de estacionamento e, finalmente, consegui arranjar lugar num sítio onde tinha linhas brancas a delimitar o espaço que podia ocupar e tal.
Fui para a festa e estava tudo normal. Cumprimentei os meus amigos, estivemos um pouco à conversa e fomos ver um dos concertos que havia. A meio do espetáculo, senti um forte braço no meu pescoço e uma desafinada cantoria molhada ao meu ouvido e, quando olho para o lado, reparo que é um dos meus amigos. Novamente, tudo normal, ele está a beber, está a divertir-se e quer passar o seu entusiasmo para mim. Contudo, como eu sou muito boa pessoa, tentei imediatamente chamar outro amigo para ver a figurinha deste meu anterior colega. Quando o meu outro amigo se vira, qual não é o meu espanto, em vez de se rir do MC cuspo na orelha, coloca também o seu braço à minha volta e começa, jubilosamente, a cantar. Era uma cantoria menos líquida admito, mas igualmente ruidosa. Olho para todo aquele cenário e reparo que, na verdade, quem estava “mal” ali era eu. Senti-me um verdadeiro alien, alguém diferente que não se enquadrava com os restantes. Porém, ao mesmo tempo, senti-me quase que superior. A sensação que me dava é que, no meio daquelas pessoas intoxicadas por sumo de uva e de batata, eu era um ser extraordinário. Especial mesmo, capaz de coordenar as minhas palavras e movimentos e tudo. Senti-me, realmente, um súpero humano quase como o Ventura se deve sentir lá no meio da ciganada. Este cenário, ainda que engraçado, vem com as suas consequências.
Uma pessoa bêbada, apesar das dificuldades de comunicação, consegue perceber quais são as pessoas não bêbadas, e quando em apuros é a essas pessoas que recorre. Reparem, eu não me importo nada- e não como se eu nunca tivesse feito de um amigo engenheiro meu enfermeiro particular-, aliás, ao ver o ali o meu amigo a expelir coisas da sua boca enquanto tocava a soundtrack do Jurassic Park, percebi o verdadeiro poder que o álcool tem. Meus amigos, o álcool é, nada mais nada menos, que um igualador social. Quer sejas alguém de renome na tua área ou uma pessoa, com azar na vida, que ande na rua, não há cérebro que difira um do outro após três copos de whiskey-cola. O álcool é um justiceiro disfarçado que mostra que nós todos, no fundo, somos iguais. Arrisco-me a dizer que todas as disputas mundiais estão a uma tasca de distância de serem travadas. Se o Putin se reunisse com o Zelensky à mesa de um café com um bom bagaço, o russo ia perceber que, se calhar, a Ucrânia é tanto um país como a Rússia, travar esta hedionda guerra e até poderiam ficar bons amigos. Portanto, não há mal absolutamente nenhum em sair e beber, controladamente, claro. É algo que deve ser considerado uma bela, monótona, parte da vida, a não ser que sejas primeira-ministra na Finlândia. Pois é, este texto não é só javardice, tem também uma crítica social.
É que toda esta, vamos chamar-lhe polémica para facilitar, em torno de Sanna Marin pôs-me verdadeiramente confuso. Julgamentos pejorativos em torno de pessoas com cargos políticos sempre foram algo inerente a essa mesma profissão. “És um ladrão” ou “és um mentiroso” são insultos que estou a habituado a ouvir desde pequeno, agora “danças mal a Macarena” foi a primeira vez. Como é possível criticar alguém por se divertir? É suposto haver profissões em que a diversão é proibida? Ou não se pode levar a sério alguém que ande por aí na “macacada”? É que se for esse o caso o Ricardo Araújo Pereira, mesmo sendo uma figura sapientíssima, não pode ser comentador político. Ou a crítica é dirigida à cantoria de Sanna Marin? É que nunca vi ninguém em Portugal a proibir o Zé Cabra de ter uma carreira musical. Ou então é mesmo um sentido de ofensa para com os passos descoordenados da primeira-ministra finlandesa? Se formos por aí, temos também que abolir as dançarinas que enchem as tardes de domingo dos principais canais das nossas televisões.
Em jeito de conclusão, queria só pedir aos finlandeses: calma. A pobre mulher só se está a -e sejam fortes para ler isto- “pidä hauskaa”, e não há mal nenhum nisso. É que há algo verdadeiramente importante que eu retirei da minha experiência de sobriedade. Quando, no fim daquela minha fatídica noite, eu olhei para aqueles destroços humanos, sujos e descoordenados que eram os meus amigos, tudo que eu conseguia pensar naquele momento era “quem me dera estar como eles”. Por isso divirtam-se, saiam e bebam, sempre com juízo, que isso não afetará quem vocês são, muito menos influencia como vão gerir o orçamento de Estado do vosso país. Agora vou andando, que há que aproveitar as tardes de férias.
Artigo da autoria de José Miguel Dantas