Cultura
“Os Fabelmans”: A Lente da Verdade
Esta história inicia-se com Sammy e os pais, Mitzi e Burt Fabelman, que o levam pela primeira vez ao cinema durante o Hanukkah. “The Greatest Show on Earth” (1952) é o filme a que vão assistir, que se revela uma experiência fascinante para Sammy, que não consegue deixar de pensar no aparatoso e dramático acidente de comboio que viu no grande ecrã. Por isso, quando lhe perguntam que presente gostaria de receber pelo Hanukkah, a criança responde que quer um comboio de brincar, para o poder recriar. Esta ideia entusiasma o seu pai, um engenheiro eletrotécnico apaixonado pelo progresso, que lhe oferece logo ajuda para montar o modelo.
Quando Sammy provoca, então, o acidente com o comboio, acabando por o estragar, provoca o desagrado do seu pai, que vê o trabalho dos engenheiros que criaram o produto totalmente desrespeitado. Por outro lado, a sua mãe, pianista e muito ligada às artes, logo compreende o que move o seu filho. Sugere-lhe, por isso, que grave o acidente, para que o possa ver e minimizar os riscos de o estragar. Este acordo entre mãe e filho é privado, constituindo tanto o primeiro segredo que guardam juntos, como o momento em que Sammy descobre a sua vocação de cineasta.
Com a câmera do seu pai, Sammy começa a fazer filmes com as suas irmãs, que alinham em todas as suas ideias. O resultado é muitas vezes cómico, revelando a criatividade do protagonista, que utiliza apenas os materiais que possui em casa para fazer efeitos especiais.
É então que Burt se vê obrigado a mudar de cidade ao progredir na sua carreira, levando a família a fixar-se em Phoenix, no Arizona. O deserto deste estado, torna-se o cenário de muitos filmes de Sammy, com os seus amigos escuteiros, sendo nesta altura que mais combina os conhecimentos de engenharia que adquiriu do pai, com a sensibilidade artística da mãe. Ao longo da obra, é muitas vezes sugerido o confronto entre Arte e Ciência, mas acaba por nos ser mostrado que o Cinema é a fusão das duas áreas.
Ainda que o seu pai lhe diga que fazer filmes é apenas um hobbie e não lhe trará segurança financeira, Sammy recusa-se a desistir. Mesmo assim, o seu caminho enquanto cineasta não é isento de dúvidas nem tensões, sendo muitas vezes lembrado que, esta arte, embora traga glória e grandes reconhecimentos, faz o artista sofrer, sendo fonte de grande ansiedade e incerteza. Ao longo do filme, cria-se um paralelo entre a situação de Sammy e a da sua mãe, Mitzi, que trocou os grandes palcos por um casamento e uma vida financeira estável, sentindo-se agora ofuscada e incompreendida.
Mesmo que o Cinema seja uma forma de ilusão, também pode ser usado para contar a verdade sobre os sentimentos humanos mais profundos. Este filme vem precisamente mostrar a arte como uma forma de recriar o nosso mundo, possibilitando a demonstração de uma visão pessoal de quem nos rodeia, aparecendo, portanto, como redentora e reveladora da verdade sobre nós mesmos. Surge como uma forma de comunicação e como destruidora de preconceitos, e ainda como o que nos faz refletir sobre o nosso lugar no mundo e as nossas escolhas. Trata-se, assim, tanto de uma história de amor à arte de fazer Cinema, como uma carta de agradecimento à sua família, fazendo-nos refletir sobre o nosso lugar no mundo e sobre a forma como vemos os outros.
Muitas vezes, o artista é acusado de ser egoísta por se focar em si mesmo para criar, tendendo a abandonar os seus propósitos em busca de aceitação. No entanto, a mensagem deste filme é precisamente o contrário: ainda que possam parecer egoístas, a vocação e os os sentimentos de um artista não podem ser ignorados. Isto é, muitas vezes, há coisas que não podem ser impedidas por muito que custe. Tal como diz Mitzi:
“You do what your heart says you have to, because you don’t owe anyone your life.”
Artigo escrito por Margarida Inês Pereira