Cultura
‘Tunnel under Ocean Blvd’: A Sinfonia da vida de Lana del Rey
Durante toda a carreira, Lana del Rey recebeu críticas quanto à sua persona irreverente. Acusada de romantizar temas como a depressão e relacionamentos abusivos, a cantora continua verdadeira a si mesma e não renuncia à sua forma única de produzir arte.
Após nos presentear com dois álbuns em 2021, Chemtrails Over The Country Club e Blue Banisters, Lana regressou, no passado dia 24 de março, com o seu nono álbum Did you know that there’s a tunnel under Ocean Blvd. Este álbum é uma colaboração com o produtor Jack Antonoff, conhecido por trabalhar com nomes como Taylor Swift e Lorde. Did you know that there’s a tunnel under Ocean Blvd conta também com features de Father John Misty, Bleachers e Jon Batiste.
Divulgado através de um único billboard em Tulsa, Oklahoma, cidade do ex-namorado de Lana, este álbum transparece através do longo título, a essência filosófica e poética típica da cantora. No entanto, Tunnel under Ocean Blvd não é apenas mais um álbum sobre desgosto amoroso.
Nesta que é possivelmente a sua obra mais pessoal, a cantora partilha muito da sua relação com a família, com a fé e, especialmente, consigo mesma. Abuso sexual, suicídio e perda são alguns dos temas extremamente sensíveis aqui abordados com a máxima perspicácia lírica.
“It’s not about having someone to love me anymore”
O segundo single do álbum, e uma das faixas mais marcantes, “A&W” (American Whore), revela uma atitude de indiferença perante as críticas e opiniões alheias, algo que antes perturbava a Lana enquanto artista. Tocando em várias feridas, a compositora satiriza os ideais estabelecidos para mulheres na indústria da música.
A transição entre as músicas deste que é o nono disco de Grant, é tão suave que, por vezes, nem é perceptível, algo que acontece entre as faixas “Candy Necklace” e “Jon Batiste Interlude”.
Os pormenores extravagantes não podiam também faltar neste álbum de Lana del Rey, honrada pela Billboard com o Visionary Award. O sermão religioso “Judah Smith Interlude” é talvez a parte mais controversa desta experiência musical, chegando a causar desconforto pela rispidez e brutalidade do discurso. O líder da Igreja “The City Church” em Seattle, Washington, prega durante o interlude: I used to think my preaching was mostly about You / And you’re not gonna like this, but I’m gonna to tell you the truth / I’ve discovered my preaching is mostly about me.
As referências religiosas não acabam por aí, reproduzindo-se ao longo do álbum, especialmente na faixa “Grandfather please stand on the shoulders of my father while he’s deep-sea fishing”, na qual Lana pede a Deus que lhe envie três borboletas brancas se estiver por perto.
O instrumental gracioso de “Paris, Texas”, a décima faixa, é um sample da música “I wanted to leave” do artista SYML. Nesta canção, uma belíssima analogia ao clássico do cinema de mesmo nome lançado em 1984, Lana faz um trocadilho com o nome das cidades norte-americana e francesa.
“Let the Light in (feat. Father John Misty)” é uma poderosa balada, que se destaca pela perfeita combinação das vozes de Lana e John. Ambos os artistas já tinham colaborado na música “Buddy’s Rendezvous”, que compõe o EP com o mesmo nome de Father John Misty, lançado em 2022.
Sendo um álbum de Lana del Rey, não podia deixar de ser melancólico e introspetivo. No entanto,Tunnel under Ocean Blvd inova e distingue-se dos restantes, através da combinação de diferentes géneros musicais como o indie, o rap e o trap. Em “Peppers”, uma menção à banda Red Hot Chilli Peppers e à atriz de cinema Angelina Jolie, somos apanhados desprevenidos pelos versos da rapper canadiana Tommy Genesiss, que acrescentam uma grande dose de energia feminina à música.
A última faixa, “Taco Truck x VB”, incorpora um remix de “Venice Bitch” do álbum Norman Fucking Rockwell (2019). Quando achávamos que esta canção já havia terminado, somos encantados pela transição para a sua conhecida letra (Sounding off bang bang kiss kiss).
Apesar da boa surpresa, certos sons, melodias e letras em ‘Ocean Blvd’ soam demasiado familiares, fazendo lembrar álbuns e músicas antigas de Lana del Rey. Esta característica, ainda que um pouco desconcertante, acentua a ligação entre o presente e o passado musical da artista e reforça o gosto nostálgico do álbum.
Did you know that there’s a tunnel under Ocean Blvd é uma longa viagem instrospetiva pela vida de Lizzy Grant, que rema por ondas poéticas e suga o ouvinte nas suas harmonias delicadas. O poder e sensibilidade lírica, combinado com a voz indistinguível de Lana del Rey, fazem deste álbum mais um enorme marco na carreira da artista.
Artigo escrito por Íris Silva