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Cultura

“Emily”: o regresso triunfante do cinema de época

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Cartaz do filme “Emily”.

A obra, parcialmente biográfica, conecta aspetos reais e fictícios da curta vida de Brontë. Em Yorkshire, Emily procura consolo na solidão e na criatividade, a fim de construir um mundo de evasão temporária. A sua personalidade vincada, desajustada e invulgar desencadeia períodos de alienação, felicidade e desapontamento, quase simultaneamente.

A personagem principal mantém relações instáveis ao longo do filme, desde as irmãs, Charlotte e Anne, até William Weightman, o pároco com quem experiencía paixão e desgosto. A rara maneira de ser de Emily desperta o interesse de Weightman e, contra todas as convenções, embarca na história de amor que viria a imortalizar um dos casais mais icónicos da literatura internacional – Heathcliff e Cathy, tal como Kate Bush canta.

Emily estreia Frances O’Connor no campo da realização, mais conhecida pelo seu trabalho como atriz. O filme conta com a atuação irrepreensível de Emma Mackey no papel de Emily Brontë. Mackey tem vindo a destacar-se no grande ecrã, sobretudo pela aclamada prestação em Sex Education. Para além da estrela em ascensão, o elenco acrescenta ainda Oliver Jackson-Cohen (The Haunting of Bly Manor), Alexandra Dowling (The Musketeers) e Fionn Whitehead (Dunkirk).

O drama de época homenageia a escritora e poetisa inglesa, que falecera de tuberculose aos 30 anos, em 1848. A sua vida terrena garantiu-lhe um legado intemporal, com a coletânea de poemas e, mormente, devido ao clássico sombrio e sobrenatural – O Monte dos Vendavais. Inicialmente criticado e assinado sob o pseudónimo Ellis Bell, o romance acabou por elevá-la ao estatuto de uma das melhores autoras na Inglaterra do século XIX.

Ainda que o teor honorífico do filme esteja bem empregue, existem outras questões a considerar. Emily opta por um percurso invulgar e tenebroso, quase como se forçasse o espectador a premunir o pior. Nos primeiros instantes, o vislumbre de uma Emily moribunda leva Charlotte a questionar-se sobre a origem d’O Monte dos Vendavais.  Não existe uma resposta imediata (e ainda bem): a complexidade do livro, bem como da mente da protagonista, transcendem o papel e caneta. O título do filme parece até singelo demais para honrá-la, mas haverá outra Emily que se lhe equipare? Não creio.

Podem tomar a pergunta como sendo retórica, enquanto reavivo a sua rebeldia, os olhos tímidos e frequentemente postos nos pés, a sagacidade, as peripécias do imaginário Capitão Sneaky, os brilhantes poemas, a determinação, o amor, a desilusão, o perdão e… O Monte dos Vendavais. Aqueles que tiveram o privilégio de o ler, decerto notarão paralelismos com a longa-metragem: os episódios sobrenaturais, a atmosfera religiosa e espiritual, o destino trágico dos casais em destaque e as constantes desavenças familiares.

Os mais atentos certamente repararam na ausência de Branwell, o irmão. Ele, mais do que qualquer uma das irmãs, acreditava no potencial artístico de Emily, e fê-la inclusive gritar pela “liberdade de pensamento” a plenos pulmões. Este era o lema da dupla que ansiava o intangível. O seu carisma não o livrou da fraqueza, do ópio e do peso na consciência. As duas irmãs, por outro lado, são facilmente colocadas em segundo plano. Anne, a influenciável, e Charlotte, a que procura a aprovação incessante do pai.

Frame do filme “Emily”.

E William…?! Um absoluto e perfeito cobarde. As palavras “heresia” e “pecado capital” tomaram conta de si e nem algo tão romântico como uma carta o salvou. “Só existe uma verdadeira felicidade nesta vida: amar e ser amado”, disse algures entre as palavras de arrependimento. Tarde demais. Valeu-lhe o perdão de Emily.

“Como é que escreveste O Monte dos Vendavais?”, interrogou Charlotte. Quero acreditar que existe um certo grau de ingenuidade nesta pergunta. “Viver e ser uma tonta”, retorquiu Emily. Parece uma resposta pouco satisfatória, mas trinta anos bastaram-lhe para viver uma vida e experimentar todos os sentimentos, sem reprimi-los. Charlotte renasceu, assim como o seu propósito.

Por detrás de um grande enredo, deve existir uma grande banda sonora. E existe, de facto. Cada movimento, cada riso, cada gota de chuva e cada cena capturada na natureza, o grande instigador de inspiração, são soberbamente acompanhados, tanto por efeitos sonoros como pela trilha tão suis generis. O cinema de época voltou… e voltou de forma majestosa. Que volte sempre!

Frame do filme “Emily”.

Artigo escrito por Inês Gomes de Oliveira.

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