Dos protestos ao Senado: o Movimento dos Cidadãos Agricultores vence nas regionais dos Países Baixos

Criado em 2019 como protesto contra as políticas ambientais do governo de Rutte, o BoerBurguerBeweging, também conhecido como BBB, não só superou o centro-direita e foi o partido com mais representantes eleitos, como igualou a união da esquerda entre o GroenLinks (em português Esquerda Verde) e o Partido Trabalhista.

Embora as projeções apontassem o BBB como o favorito à vitória nas regionais, Caroline van der Plans não escondeu a surpresa, soltando um “People, what the fuck happened?” no discurso de vitória.

Inicialmente, o Movimento dos Cidadãos Agricultores surgira apenas para demonstrar o descontentamento do setor agrícola face à medida do Governo neerlandês que aponta para a redução de 50% nas emissões de óxido de azoto até 2030. Responsabilizados pelo centro-direita por parte dessas emissões – pelo uso elevado de fertilizantes, por exemplo -, o BBB conseguirá agora ter uma influência direta na aprovação das tão contestadas políticas ambientais.

“Não é só o azoto, são os cidadãos que não são vistos, não são ouvidos, não são levados a sério”, afirmou van der Plas ao canal de televisão NOS. É que, apesar da maior fatia dos votos ter surgido de regiões rurais, o BBB também marcou presença em boletins preenchidos em zonas urbanas, mostrando-se como uma alternativa àqueles desagradados com a crise habitacional. Para além do setor agrícola, também o da construção foi afetado com a medida da redução do óxido de azoto, com licenças a serem suspensas para combater as emissões.

Niels Oosterom, representante do BBB no parlamento da Holanda do Sul, reforçou as ideias de van der Plas, afirmando que o partido rural pretende focar-se “em outros assuntos que fazem com que as pessoas não se reconheçam na política do governo”, entre os quais “as sobretaxas ou os problemas verificados na extração de gás em Groningen”, em declarações ao Jornal Universitário do Porto.

Ao longo destes primeiros 4 anos de vida, o Movimento dos Cidadãos Agricultores bloqueou estradas com tratores, organizou manifestações e fez-se ouvir por um governo que agora terá de lidar com o descontentamento do partido rural dentro do parlamento. Ainda assim, Niels Oosterom não considera que essa seja “a razão pela qual o BBB cresceu tanto”, lembrando que “em 2021 o BBB já havia eleito para a Câmara dos Representantes”.

Para Catherine Fieschi, estudiosa dos movimentos populistas europeus e da extrema-direita, a ascensão do BoerBurgerBeweging nos Países Baixos poderá servir de exemplo para outras nações. “O sucesso do BBB é um sinal de que está a ser formada uma retaliação contra políticas ambientais. Poderá resultar em fraturas em vários países, principalmente nos governados por coligações”, referiu ao The Guardian.

Questionado sobre a possibilidade da ascensão do BBB influenciar os países vizinhos, que também tem sido alvos de movimentos protestantes de agricultores, Niels Oosterom reconhece que “certamente terá um impacto, porém sem saber qual a sua dimensão”, afirmando ainda que “na Bélgica, já está ser criado um BBB separado do holandês”.

Respeitado pela ala mais à direita do espetro político, o BoerBurguerBeweging recebeu, ao longo dos últimos anos, apoio público de duas figuras internacionais: o 45º presidente dos Estados Unidos Donald Trump e a advogada e política francesa Marine Le Pen. Porém, o representante do BBB não consegue encaixar o partido que representa num sistema clássico da política. “É por isso que os outros partidos têm dificuldades em nos classificar. Em alguns aspetos encaixamo-nos mais à direita, como nas questões de asilo, negócios, nitrogénio ou climáticas. Mas noutras pastas, como as da pensão, saúde ou segurança social, somos mais à esquerda”, referiu Niels Oosterom ao JUP.

Já Mark Rutte, primeiro-ministro dos Países Baixos desde 2010, viu todos os restantes partidos da coligação perderem assentos no Senado, não se demonstrando, no entanto, desanimado com os resultados. “Acredito que o governo se mantenha estável nos próximos anos, porque temos partidos que querem assumir responsabilidades”, referiu à NOS.

Com os resultados destas regionais, Rutte terá de negociar para avançar com as suas propostas, restando saber se quererá voltar atrás nas medidas ambientais e chegar a acordo com o BBB ou conversar com a união de esquerda e ser ainda mais ambicioso na preservação do ambiente. Segundo Niels Oosterom, o Movimento dos Cidadãos Agricultores quer “conversar com todos e está preparado para chegar a acordos” desde que sejam respeitadas as suas condições, com destaque para a questão do nitrogénio.

Em todo o caso, o líder do VVD tem o seu futuro como primeiro-ministro cada vez mais ameaçado, nuns Países Baixos mais focados nas zonas rurais do seu território.

Texto por Nuno Canossa

Editado por Vasco Castro