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Artigo de Opinião

Quem não esquece o Interior

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Quando não estamos em Lisboa ou no Porto, as realidades alteram-se profundamente. Um país que já possui a sua grande margem de “atraso” no panorama global, agrava-se o cenário, à medida que se penetra no seu interior. Não se fala só a nível tecnológico, mas sim (e com enfoque) ao nível de condições de vida. Condições essas que passam desde o mais básico, seja a precariedade que ronda os serviços públicos (hospitais, forças de segurança, educação, entre outros) seja a dificuldade nas acessibilidades e a falta de opções de deslocação e movimentação entre, e nestes, locais. Mas, as dificuldades e discrepâncias vividas no interior do país vão além da falta de infraestruturas ou da precariedade das mesmas. Entramos numa esfera social, poucas vezes considerada, que é amplamente afetada pela falta de interesse e dinamismo nestas zonas. Por consequência da irreflexão sobre esta temática, no interior, violam-se direitos humanos, subsiste um tradicionalismo violento para com as mulheres, isolam-se os jovens, esquece-se a cultura (por falta de manutenção) e assim deixa-se morrer lentamente estes locais, as suas pessoas e a sua riqueza.

Durante o Estado Novo, a ditadura Salazarista utilizou diversos mitos de forma a obter poder e apoio (e em última estância ordem). Um desses “mitos ideológicos fundadores” era o mito da ruralidade, sendo as zonas rurais utilizadas e reconhecidas como uma virtude, e como a verdadeira essência portuguesa. Para além disso, era criticada a industrialização fomentando-se a agricultura como principal fonte económica. Uma maneira fácil de manter o interior rural isolado, desempenhando as funções subsidiárias, desenvolvendo-se as cidades à sua custa. Salazar, um ditador que mancha a história de Portugal, iniciou e fomentou um processo de atraso do interior que atualmente nós não fomos capazes de ultrapassar. Mas, não fomos capazes, porque os nossos governos não o quiseram fazer. Apesar dos diversos apoios, planos monetários da União Europeia e outras entidades, o governo aplicou sempre mal as verbas disponíveis. Serve de exemplo a enorme rede de autoestradas priorizadas e construídas (que sim são importantes) esquecendo-se os comboios, um transporte público que poderia vingar em todo o nosso país, sendo a resposta mais ecológica, económica, benéfica e acima de tudo inclusiva. Sim inclusiva, porque Srs. Ministros, nem todos podem conduzir os seus carros de luxo a grandes velocidades…

Podendo divagar muito sobre a temática do que falta no interior, este artigo serve somente para demonstrar, através de breves exemplos, a importância que o associativismo tem para estes locais, acima de tudo no que toca a esfera social. Não podemos esquecer que estas comunidades rurais têm uma população envelhecida e sozinha, em bastantes casos com reduzida escolaridade e falta de meios para mudar a sua situação. Para além disso, as novas gerações, já dispondo de muitas novas e boas ferramentas que os seus antecessores não tiveram, continuam a enfrentar grandes dificuldades comparando com um jovem nascido e criado na cidade. É a típica história do “rato da cidade e o rato do campo”. Para combater todas estas questões sociais, o trabalho das associações é importantíssimo, primeiro para anular a falta de oportunidades e em segundo lugar para disponibilizar uma plataforma segura e consciente, para estes jovens e adultos.

Espalhadas por todo o país, abrangendo as mais diversas esferas, as associações para desenvolvimento das regiões, tem aumentado exponencialmente nas últimas décadas. A ADER-SOUSA é um exemplo de renome na região norte, atuando em diversos patamares, sobre tudo na área da agricultura sustentável. Obviamente que estas ações de sensibilização transcendem o objetivo primário, e alteram toda uma rede social destes locais, dinamizando-os (aumentando o seu interesse externo), melhorando as suas condições e em último caso adaptando-os às novas realidades nacionais e globais. Também para as terras quentes do nosso Alentejo, a associação Terras Dentro (com atuação na zona de Cuba, Viana do Alentejo, Alvito…) tem uma importante influência no que toca a sensibilização nas mais diversas áreas, destacando (eu) a inclusão social das minorias étnicas, educação dos jovens e promoção da cultura e produção local. Voltando para o Norte, para a região de Trás-os-Montes, cresce uma nova associação, ATPD (Associação Transmontana Pelo Desenvolvimento), com enfoque no desenvolvimento da zona rural, respeitando a sustentabilidade e os direitos humanos. A ATPD conta com diversos projetos de inclusão e sensibilização, apostando sempre na proteção da tradição local e respeitando a mesma. Estes exemplos, são mínimos no panorama nacional. Mas servem para ilustrar a importância que estas têm para as localidades. De um ponto de vista prático e direto, estas associações motivam as regiões, e acima de tudo dão-lhes algo em que acreditar, relembrando-as que fazem parte do país e possuem em si uma grande riqueza com as mais diversas formas e feitios.

Não me posso deixar ficar pelo associativismo de desenvolvimento, porque seria errado assumir que somente estas associações desempenham um importante papel regional. Nas mais diversas áreas o associativismo exerce força. Serve de exemplo a AHAS (Associação de História e Arqueologia de Sabrosa) que desempenhando o seu objetivo, seja na área da arqueologia, seja na área da história, impulsiona toda uma região. Por exemplo, durante as campanhas de escavação em regime voluntário, a movimentação dos voluntários (muitos deles estudantes universitários) para estes locais, evidentemente, dinamiza e dá a conhecer o território. Além disso, há sempre um grande contacto com as populações locais, que é extremamente benéfico para zonas isoladas, com indivíduos que pouco ou nenhum contacto social têm grande parte do tempo. Por último, subjacente ao interesse histórico, a manutenção das tradições locais, e a manutenção de sítios de importância patrimonial estimula o turismo e a cultura local.

Para o associativismo continuar a dar frutos é necessário manterem-se os apoios autárquicos, que reconhecem a importância destas associações. É necessário continuar a incentivar a fixação destas associações. Mas acima de tudo, seria necessário o nosso Governo reconhecer as dificuldades que se encontram no interior e atuar concreta e beneficamente sobre as mesmas. O nosso governo deveria esquecer-se de onde “mora”, e relembrar que o país, por muito pequeno que seja, não se resume as duas grandes cidades. É necessário não esquecer o interior, é necessário manter vivas as suas tradições, mas superior a isso, não podemos esquecer quem lá reside, e quem deseja residir.

Artigo da autoria de Daniel Madeira

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